Nothing

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"And I dug right down to the bottom of my soul...

And cried

'Cause I felt... nothing"

A Chorus Line


Estou sem o short jeans, mas ainda visto a meia arrastão e o top. É a segunda coisa que percebo quando recobro meus sentidos. A primeira é que preciso de água.

Levo um tempo até que minha cabeça dolorida pela ressaca se ajuste à claridade do quarto de Anna, que dorme profundamente ao meu lado, babando em seu travesseiro. Quando ajusto o foco em meus olhos, percebo bem em minha frente um par de pés pertencentes à Raquel, que dorme também, porém deitada ao contrário, com a cabeça ao pé da cama e sem travesseiro. Rio baixinho, mas isso dispara uma pontada de dor no fundo do meu cérebro, então me repreendo. Preciso de água, de uma aspirina e da minha cama.

Ergo-me lentamente, tomando cuidado para não acordar as meninas, e caminho para fora do quarto – eu procuraria por meu short, mas não irei encontrá-lo nessa bagunça. Na parte comunal do dormitório, inspiro o ar gelado da manhã, que me traz certo alívio, enquanto sinto meus pés caminharem pelo chão fresco em direção ao meu próprio aposento. Lá, encontro uma garrafa enorme cheia de água, e a ataco. Sinto o líquido descer por minha garganta seca – isso é bom. Meus rins me agradecem.

Enquanto coloco-me em minha cama bagunçada, dou-me conta de que algo falta. Meu primeiro pensamento ao correr os olhos pelo dormitório é que a mala de Alex não está mais lá, e, então, a realidade me atinge como um soco no estômago. Alex foi embora noite passada, e eu havia me esquecido. Ele foi embora, não apenas de São Paulo, mas de minha vida, instaurando o tão temido "tempo entre nós". Não me deixou sequer uma camiseta de recordação, um bilhete, ou qualquer prova de que passou os últimos quatro anos junto comigo.

Como pude jogar fora todos os quatro melhores anos de minha vida? E para que? Para ir a uma festa de uma pessoa que eu nem conheço. Meu Deus, eu sou estúpida demais.

Largo-me sentada na cama como se tivesse sido empurrada, e permito que a espiral em minha cabeça aumente – digo a mim mesma como sou egoísta, e como ferrei tudo, e como não conseguirei passar por esse ano sem Alex. Que a motorista do táxi era apenas uma louca desconhecida, e que minhas amigas me arrastaram para este buraco em que estou agora, mas apenas Alexandre conseguiria me tirar dele. Eu sei, todo meu corpo sabe que vou perecer sozinha nesta universidade enorme sem ele, porque sou burra e insegura e inapropriada e meus modos do interior me destruirão em São Paulo. Ele sempre dizia isso, e eu deveria tê-lo ouvido, pois, sem ele me guiando, fracassarei e retornarei para o sítio de meus pais tendo gastado seu dinheiro em um sonho impossível.

Começo a soluçar mais forte, e a tossir, mas, por mais que eu tente, não consigo respirar. Sorvo enormes quantidades de ar, mas parece que apenas atraio mais a tristeza e o pânico enquanto o faço.

Sozinha. Completamente sozinha. Permanecerei sozinha para sempre sem Alexandre – apenas ele sabia lidar comigo, apenas ele conseguiria me amar do jeito que sou. Ele podia ter qualquer pessoa neste mundo, mas me escolheu, e eu o troquei por um gosto de liberdade inútil.

Agarro meus cabelos como se os fosse arrancar. Não consigo respirar, não consigo pensar, não consigo me mover – minha mente grita xingamentos enquanto meus olhos jorram lágrimas em meu rosto.

"Mel!" ouço me chamarem ao longe. Vão embora! É por sua culpa que estou assim.

Sinto mãos macias e pequenas agarrando as minhas, retirando-as de meu couro cabeludo, e minha cabeça para de doer – mesmo assim, sei que aquelas mãos me querem mal, e me debato. Não quero abrir os olhos, não quero encarar os demônios. Não, não, não...

Honey [hiato]Onde histórias criam vida. Descubra agora