"Come on, follow me
You'll be happy to be there
Dancing through life"Wicked
Os alojamentos estudantis fixos da Universidade de São Paulo consistem em três quartos – um para cada ocupante do dormitório –, uma sala compartilhada, duas pias e dois banheiros, um contendo o vaso sanitário, e o outro, o chuveiro.
Desde que cheguei à USP, divido minha moradia com Anna – uma menina negra de vinte e dois anos, cachos definidos e excelente gosto para música e roupas, aluna do segundo ano de Jornalismo – e com Raquel – de cabelos vermelhos artificiais e baixa estatura, com vinte e quatro anos, vinda do Nordeste, tímida a princípio, mas extrovertida e muito engraçada quando se faz conhecida, e aluna do terceiro ano de Produção Audiovisual.
E é no quarto de Anna que nós três nos encontramos, estudando. Por mais que a sala esteja à nossa disposição, o ambiente acolhedor e bem decorado do quarto clama para que nós três nos apertemos no pequeno espaço e dividamos materiais, cobertores e conhecimentos gerais. Estudar na companhia de minhas amigas me traz uma motivação a mais para continuar, mesmo que eu tenha lido a mesma parte da enorme gramática pelo menos três vezes e continue sem entender nada.
"Ah! Desisto. Chega de Língua Portuguesa por hoje" digo, fechando o livro imenso com um baque que assusta minhas companheiras e inspirando fundo. Cansada. Muito cansada. Exausta. São sete horas da noite, e estamos estudando desde as onze da manhã. O quarto cheira a um horrível queijo artificial, e o chão com lindos tapetes se encontra inundado por pacotes de salgadinhos, papéis rasgados e amassados e sujeira de borracha, além de grossos livros que variam entre os necessários para o curso e os de ficção científica que Anna tanto gosta. Apenas olhar para tamanha bagunça me agoniza, e me faz sentir ainda mais cansada. Então, sem me importar muito, e sabendo que já possuo intimidade suficiente, ergo-me da cadeira que eu trouxe de meu próprio quarto e deito na cama de minha amiga, sendo invadida pelo alivio de finalmente parar de estudar. Consigo sentir as minhas costas relaxando contra o colchão, e solto um gemido pequenino de puro conforto.
"O que é isso? Já acabou?" pergunta-me Raquel em um tom de deboche, colocando uma lapiseira atrás de sua orelha. Rio de seu sarcasmo.
"Como assim, já? Eu sinto que revisei toda a matéria até do Ensino Fundamental" digo. Claramente exagero, mas faço minhas amigas rirem. E eu amo fazê-las rir.
Viro minha cabeça para o teto cor de nada, e suspiro mais uma vez. O quarto de Anna nem sequer parece ser parte de um alojamento de universidade pública. Há tapetes cobrindo o chão e decorações por todos os lados, tudo em tons de amarelo. Sua escrivaninha possui mil e uma quinquilharias que ajudam o lugar a não parecer abandonado, e seus lençóis e colchas são macios e com estampas bonitas. Há luminárias em formatos de cactos, flamingos, e mesmo uma com a letra A, além de pilhas e pilhas de livros espalhadas pelo chão. Em um canto, seu violão e seu ukulelê estão sobre suportes, e ambos são pintados com estampas florais que os fazem diferentes e únicos, e até harmonizam com o local. Me sinto mais em casa ali do que em meu próprio quarto, e esta é uma das razões pelas quais ainda não voltei para lá.
Uma das...
"Se a Honey que é a mais nerd de todas nós já parou de estudar, então vou parar também" diz Anna, largando os marcadores de texto sobre o fichário e inclinando sua cadeira para trás, de um modo que me faz ter certeza de que a garota cairá para trás.
Elas insistem em me chamar de nerd, e de outros apelidos que remetem ao fato de que estudo muito, e que estou sempre escrevendo algo. Me coloco em certa posição de orgulho com tais nomes – significa que estou fazendo algo certo, e que hei de ser reconhecida por isso. Sempre quis ser intelectual e considerada inteligente, então cada apelido é uma vitória.
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Honey [hiato]
Mystery / ThrillerEM HIATO AVISO DE GATILHO [assassinato] [relacionamento abusivo] Mel Pinheiros sempre amou escrever. Sempre sentiu que sua caneta deslizava de um jeito que a fazia sentir acolhida e obstinada. Romances policiais eram sua maior paixão, e ela amava d...