Prólogo

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A floresta estava escura e Mya raramente via a luz da lua sobre o teto que as árvores formavam em cima de sua cabeça enquanto corria descalça. Seu vestido branco estava manchado de sangue e ela sentiu seus olhos lacrimejarem. Seus pais estavam mortos, assassinados por um grupo de homens baixos com cabelos cor de fogo e estranhos pés enganosos. E eles agora estavam atrás dela, provavelmente planejando dar-lhe o mesmo destino. Ela corria, tropeçava pelo terreno irregular e caía diversas vezes, mas insistia em permanecer nesse ritmo. Estava exausta e toda machucada, mas precisava continuar. Não sabia se eles vinham atrás dela, não sabia o quanto precisava correr. Tudo que sabia era que precisava manter o máximo de distância possível ou achar um lugar seguro. Tropeçou na raiz de um freixo e se viu esparramada no chão. Sobre sua cabeça, o céu se mostrava na clareira. Estava limpo e cheio de estrelas, mas a lua emitia a mesma cor de sangue que manchava seus vestidos.
Deuses, me ajudem. Me ajudem a escapar desses demônios, e... deem uma nova vida feliz para os meus pais, por favor - fez uma prece silenciosa.
Mesmo tendo apenas onze anos, sabia que a prece soava tola, e se os deuses a ouviram, não deram sinal.

Mya continuou deitada onde caíra, cansada demais para se levantar. Quando tentou, uma dor escruciante atingiu sua perna e ela teve que se esforçar para permanecer em pé. Agarrou-se ao freixo e, depois de algum tempo em pé, tentou andar novamente. A dor a fez se dar conta de que não conseguiria mais andar e ela decidiu que o melhor a fazer era descansar. Encostou-se na árvore e adormeceu. Sonhou com sua mãe trazendo para ela uma comida quente enquanto seu pai lhe contava histórias sobre elfos e fadas.

Acordou com o barulho de uma coruja e percebeu que dormira pouco, a noite ainda não parecia nem longe do fim. Quando tentou ficar de pé, notou que agora a dor havia melhorado um pouco. Começou a caminhar mancando. Não sabia para onde, mas não queria ficar ali deitada, esperando que seu destino viesse até ela. A lua no céu continuava vermelha, o que Mya notava a cada vez que conseguia ver através das folhas das árvores. Continuou a andar até encontrar uma nova clareira, e a lua ali lançava uma luz vermelha que parecia iluminar grande parte da floresta. Ouviu movimentos na floresta e se alarmou. Seu coração batia como se fosse pular da boca dela a qualquer momento. Depois de algum tempo, veio também a ouvir vozes que chegavam de algum lugar a sua frente. Logo começou também a escutar risadas e conversas num idioma que não compreendeu. Então, quando eles chegaram perto dela, e a luz da lua que parecia ficar cada vez mais forte os iluminou, o coração de Mya gelou na boca.

As criaturas eram da altura de Mya, apesar de parecerem adultos enquanto ela tinha apenas onze anos. Seus cabelos que antes a tinham lembrado de fogo, naquela luz lembrava a sangue. Seus pés pareciam andar na direção contrária a ela, mas ela podia sentir eles se aproximarem. Um girou completamente seu corpo e olhou para ela, rindo. Não pareciam ter pressa, ou vontade de correr. Apenas andavam calmamente como se soubessem que nada os impediria de a pegar. Podem até fazer isso - disse para si mesma - mas não tornarei isso fácil para eles.

Começou a correr, disparando pela floresta enquanto os demônios vermelhos não pareciam sequer se incomodar em apertar o passo. Tamanha a adrenalina e o medo, Mya nem sequer sentia a dor que anteriormente latejava na sua perna. Um galho mais baixo de uma árvore bateu contra seu rosto enquanto ela corria, mas ela ignorou a dor e continuou correndo cegamente. Correndo mais alguns passos ela encontrou um riacho, e ali percebeu que não tinha como fugir mais. Tentou inutilmente ver se conseguia andar até a outra margem, mas percebeu que o riacho iria cobrí-la.
Deviam ter me ensinado a nadar - pensou, como se seus pais pudessem ouvir seus pensamentos dali. Estava decidindo em que direção correr quando viu que dos dois lados vinham mais das criaturas, e percebeu que sua única opção seria tentar correr para o lugar de onde veio - mas ali haveria mais deles.
Quando percebeu que não havia mais alternativas, tentou correr para o mesmo lugar de onde havia vindo - se desse sorte aquelas criaturas que tinha visto estariam ainda longe, considerando o passo calmo e lento em que andavam. Os que vinham de ambos os seus lados ainda se encontravam a uma boa distância, e Mya se virou, correndo para a frente, fugindo de um perigo em direção a outro.

Correu, mas as criaturas não faziam menção de acelerar o seu passo, como se estivessem seguros de que a qualquer momento a pegariam e usassem a calma para se divertirem ao constatarem que ela adquiria esperanças de escapar. Foi a visão que surgiu na frente enquanto corria que a encheu de terror - seus pais andavam, vivos e novos em folha, como se nada tivesse acontecido a eles. Se permitiu sorrir por um momento, até ver seus olhos. Parecia que eles haviam sido substituídos por duas chamas que dançavam nas órbitas, e logo uma paralisia tomou conta da garota. Sua mãe sorria diabolicamente enquanto chegava perto dela.

_ Por que está com medo, filhinha? - perguntou. A voz parecia a de sua mãe, mas Mya não se lembrava de ter ouvido o carregado tom malicioso anteriormente.

_ Não precisa ter medo - tomou a palavra seu pai - Viemos cuidar de você. Estamos bem, não vê? Nada aconteceu. Somos seus pais.

Mya começou a se afastar, andando de costas, mas logo sentiu que um corpo se prensava nela por trás. Seu corpo todo tremia e um terror fez com que ela se sentisse incapaz de qualquer ação. Sentiu o aço frio em sua garganta e não gritou quando o sangue escorreu dela, atingindo o chão da floresta. Por um momento não existia, e então estava no mundo de novo. Entretanto, tudo que via agora era fogo... e sangue.

Ultraviolence - As Peças Sagradas (Livro 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora