Capítulo 8

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Mais tarde, depois de cumprida a rotina, Cersei procurou Lohanna para continuarem a conversa, e foi logo perguntando onde a caçula passara todos aqueles anos.

- Você se lembra de uma Casa vassala chamada Farman, que ficava em uma vila? – A rainha assentiu, e Lohanna continuou – Fui mandada para eles. De tempos em tempos, nosso pai mandava um ou dois soldados para conferir se eu estava viva e bem de saúde. Os homens mal me olhavam e faziam um relatório. Era meu único contato com o mundo exterior, fora daquela família. – Por um momento, Lohanna ficou imersa em lembranças, mas voltou a contar sua história. – Embora eu fosse vestida e alimentada como a filha de um suserano, eu era tratada como uma obrigação desagradável. As pessoas daquela casa mal falavam comigo ou olhavam para mim, exceto para dar ordens de forma ríspida. "- Lohanna, fique em seu quarto! Não vá para fora!" imitou.

Cersei achou absurdo e expôs que se tivesse conhecimento da situação, rapidamente os Farman seriam castigados pela insolência.

A irmã mais nova deu um meio sorriso triste: "- Nós duas sabemos que nosso pai jamais se importou com a nossa felicidade. Ordens eram ordens, e ele simplesmente determinou que os vassalos me escondessem, nada mais."

- Exilar você desta forma foi uma medida desnecessária – disse Cersei, confusa – as provocações poderiam ter sido caladas, nossa Casa tinha autoridade para isso. Você poderia passar mais tempo conosco até se casar, e como Rainha eu poderia lhe conseguir um bom casamento – continuou, sentindo-se impotente frente a decisão do pai sobre Lohanna – além de solicitar sua presença na corte, para que ficássemos mais próximas – terminou, com uma expressão afetuosa.

Lohanna então se levantou e pediu que Cersei fosse com ela até a lareira mais próxima e olhasse para as chamas.

Em frente ao fogo, a irmã mais nova mostrou acontecimentos do passado –a morte de Tywin e Bran sendo empurrado por Jaime, tudo em detalhes – e possíveis desdobramentos do futuro, como um leão morto e uma chuva de rosas caindo sobre a Fortaleza Vermelha.

A rainha se afastou, com uma expressão de surpresa. Então não eram rumores, pensou, com uma pitada de admiração e ideias de como poderia usar aquilo contra os inimigos. A sacerdotisa percebeu o estranhamento e indagou, nervosa: "- Agora você também me vê como uma aberração?"

Cersei rapidamente a tranquilizou: "- Não, de forma alguma. Seu dom é de grande valor, ainda que enigmático. E eu jamais a rejeitaria depois de tê-la de volta. Mas os deuses não têm misericórdia, e é por isso que são deuses. Temo por você."

- Deus – Lohanna corrigiu – apenas um, o verdadeiro. Misericórdia é para fracos. O Senhor da Luz recompensa os que o servem, apenas isso. – E disse estas últimas frases em voz baixa, afinal o castelo estava cheio da Fé dos Sete.

Então as duas saíram de perto do calor e Lohanna continuou sua história: "- Antes do décimo sexto dia do meu nome, nosso pai decidiu que era hora de eu me casar e fui levada ao Vale do Arryn, certamente numa tentativa de estreitar laços e conseguir algum tipo de aliança. Casei-me com Tyson Arryn e tive uma filha, Alya Arryn. – Cersei havia sorrido ao ouvir isso e imaginou que seria bom que Tommen tivesse uma prima por perto. Porém, rapidamente sua expressão ficou séria ao pensar que se sua sobrinha não estava junto da mãe, algo acontecera. E estava certa. – Alya morreu aos três anos. De febre, nos meus braços. – Lohanna disse, com um olhar distante e desolado, como se revivesse a cena.

A rainha conhecia muito bem aquela dor. Havia perdido Joffrey, também em seus braços. Então se levantou, e conduziu sua confidente a um distante quarto, trancado com um pesado cadeado do qual só ela tinha a chave.

Antes, pediu permissão à septã para rezar pela alma do filho e a recebeu, com a característica amargura daquela mulher. Preciso me livrar dessa humilhação, pensava. Sou a rainha, não devo pedir permissões, mas ser perguntada sobre elas.

No quarto atrás do cadeado, havia uma espécie de santuário: Roupas de Joffrey, sua coroa, além de uma pintura do jovem rei e outros itens variados que pertenceram ao primogênito de Cersei.

A Lannister ia até lá para lembrar do filho, pensar, ficar sozinha com sua dor sem que a perturbassem.

- Você tem algo de Alya? – Perguntou a Lohanna, oferecendo um espaço para que sua irmã também pudesse honrar a filha.

- Não, apenas lembranças. – Respondeu, com os olhos marejados de gratidão por aquele gesto.

Enquanto isso, Cersei acariciava um pente dourado que havia pertencido à Myrcella. A filha não estava morta, mas estava longe. Em Dorne. E a saudade era dolorosa. Porém, ainda pior que a saudade, era o medo da profecia com a qual havia sido amaldiçoada ainda criança. Tanto por isso quanto por amor, queria os dois filhos que lhe restaram perto de si, onde pudesse vê-los e protegê-los todos os dias.

As irmãs saíram do quarto e foram até Tommen. Lohanna sentou o pequeno rei em seu colo por alguns momentos, apertou suas bochechas e o entregou a mãe. Cersei, sentada à mesa, mostrava ao filho como escrever de forma mais legível e apertar o selo de modo que o símbolo real não ficasse torto.

***

Após ter com a irmã e o filho, Cersei foi tomar banho para dormir logo após. A estressante rotina religiosa começava cedo.

Em sua banheira, vinham lembranças. Lembranças ao olhar para o próprio corpo, que jamais seriam apagadas. Os abusos de Robert, enquanto estava casada e vulnerável a ele. As noites de amor com Jaime, que eram o seu alívio; porém seu gêmeo a havia abandonado. A caminhada, os olhares e comentários nojentos dos homens da cidade. E as mulheres de Porto Real que zombavam de sua aparência.

Então, Cersei tentava se limpar. Esfregava-se com sabão forte de lixívia, a ponto de abrir várias feridas no próprio corpo. Antes, era a mulher mais bela dos Sete Reinos, praticamente uma deusa encarnada. Agora havia sido exposta, com toda a ação dos anos, e não havia como voltar atrás. Por isso, continuava esfregando.

A Leoa PerdidaOnde histórias criam vida. Descubra agora