A fuga

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Em uma caixinha amarela estava a pequena Lídia. Sim, num pequeno local trancado a sete chaves; e ainda se negava a voar, ademais, fizeram de seu costume negar-se a tudo e a todos.

Ela era uma jovem prestes a desabrochar para a vida, há muito
esperava pelo momento certo de sua libertação.

Ultimamente a mobília de seu quarto esperava por uma faxina, mas seus servos estavam submetidos às ordens dadas pela rainha que não se importava em parecer aconchegante o local. Nem ao menos o sol do meio dia era bem-vindo em seu habitat.

Parecia ter gosto pelo desgosto, mas não era verdade. Aqueles que sabiam de seu modo mórbido de existir arrepiavam-se, pois havia boatos que estava louca.

A lugubridade, presente em sua vida, ofuscava o brilho de seu espírito. Sua pele carregava um tom lácteo, pois a tempos que o sol não a via. Sua única amiga era a lua, ela contava-lhe como estava o rei, seu pai. Desde quando ele morreu, sua madrasta mantinha-a presa. Temia que alguém a encontrasse e casasse com ela, assim herdando todo o reino e lhe descartando. O rei não deixou filho homem, e uma mulher de nada vale. Quem estava comandando tudo antes era um tesoureiro que era da confiança do rei, mas o domínio do reino já estava nas mãos da rainha.

E assim, tão só, sua vivência dependia de seus sonhos cheios de fantasia. Já que sua família, quase ao todo extinta, não a possibilitava continuar crendo numa colorida realidade, seus sonhos lhe davam suspiro de vida; mesmo que havia, a madrasta, adestrado a menina a não ter esperança, cada vez mais havia pouco contato com sua
madrasta. Amparava sua dor em seus próprios ombros. Mesmo que intentando ser ela de boa índole, para si sempre fora melhor não arriscar apresentar suas estórias construídas por seu cérebro desejoso em libertar-se da jaula.

Certo dia, a hora exata, um dos serviçais levara o jantar para ela, mas ao sair, involuntariamente, deixou a porta entreaberta. Com certeza era uma grande tentação, porém, o temor que Lídia tinha pela madrasta era tão grande que hesitou. Tentou dormir
e negar aquela possibilidade de ser feliz.

A hora da meia noite, inquieta, como se tivesse espinhos em sua cama, ela virou e olhou para a porta que continuava aberta. O fantasiar da felicidade corroía o seu peito,
tentando-a a cada segundo, até ela não se conter. A sua consciência atinava a seu corpo que havia chegado o momento de agir. Saltou da cama e ainda descalça andava silenciosa em seus passos.

Vieram mil questionamentos em sua mente, mas era assim, aparentemente livre, que bombeava seu coração com mais vida. O que lhe esperava do lado de lá que mal conhecia? Estava em casa, mas sentindo-se num labirinto.

A muito não sabia em qual entrada levava tantas portas. Qual escolheria?

Seus belos olhos negros abandonaram-na. Então, resolveu seguir seu coração. A cada porta, um novo caminho semelhante ao anterior. Sua mente estava completamente embaralhada. No entanto, ao fim de um corredor frio e escuro tinha degraus para o térreo.

Ao fim dos degraus, já podia contemplar o grande salão e mais uma porta, maior do que as outras. E ao olhar em sua vidraça a lua e as estrelas lá fora a convidava a chegar mais perto. A menina esperta se atreveu a achar uma forma de sair pelo jardim. Havia girado a chavinha do cadeado da porta dos fundos.

Era encantador para seus olhos. Não pode crer que havia se privado de ver a beleza natural do mundo lá fora. Totalmente impressionada contemplou por bons minutos a
paisagem noturna, mas logo o sono lhe pegou e lentamente foi se desvanecendo. Foi seu conforto o chão frio e sua pele era acariciada pelo vento.

Quando o sol aprontou-se a lhe apresentar um cenário aquecido pelos seus raios foi que então a moça despertou. Também sua mente bem lúcida a lembrou que ali não deveria estar. Estava com medo de ser descoberta, até porque iam a seu quarto logo pela manhã lhe desejar um bom dia mais parecido com um adeus. Ultimamente a rainha a
deixava solitária. E o que diriam se não a visse como de costume?

Apressou-se em sair das proximidades do palácio, era cheio de guardas e cães.

Um fio de lembrança permeava seus pensamentos, e a alegria lhe preencheu. Lembrava-se que nenhum dos guardas nunca a tinha visto, a não ser enquanto criança. Não seria
difícil passar pelos portões, agora esbanjava as curvas da juventude.
Lídia esperava uma boa oportunidade, junto a uma banca de legumes, o lugar fervia de gente, mas, até então, ninguém se dirigia aos portões. Quando findava a feira,
um grupo de mulheres dirigiram-se até a saída, e a princesa sabia que aquela era a hora certa, seria uma boa oportunidade. Os trapos que estava vestida, ajudaram-na a se camuflar dentre as moças, que notaram a presença dela, mas não interferindo em nada. Já do lado de fora, respirava o ar da liberdade com exaustão, e partiu para um esconderijo mais próximo, sabia que os guardas logo viriam atrás de si.

Assim, cogitava ser a floresta negra o melhor local para se esconder enquanto houvesse esperança, a rainha, de a encontrar.

Seu coração acelerado e seus olhos vigilantes acentuavam a adrenalina em suas veias

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Seu coração acelerado e seus olhos vigilantes acentuavam a adrenalina em suas veias. Procurou não ser notada com tanta atenção pelos outros, mas quando finalmente
chegou a avistar de perto a tal floresta, um jovem insistia em a fuzilar com o olhar. Ainda
disse em alto e bom som:

- O que pensa que vai fazer? Donzelas devem se aventurar no aconchego do quarto, não numa mata sombria. Dê meia volta e nem olhe naquela direção, poderá custar sua vida.

- Quem é você, afinal? - ela insistiu em olhar aquele rosto queimado pelo sol com valentia.

- Não interessa! Vá pra casa, jovenzinha!

- Não posso! - seu olhar inocente demonstrou fragilidade, e sentimentos mal resolvidos quase despertaram o desejo de chorar.

- O que dirá seu pai caso se deparar com sua pombinha longe do ninho? - o olhar de Lídia o fez apiedar-se de si. Mas estava disposto a preservar sua vida longe do perigo da floresta, local atrativo aos olhos da moça.

- Não tenho pai nem família! Sou só e só... Fim da história! - acelerou seus passos para longe daquele moço xereta desaparecendo em meio a multidão.

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