Faltando seis meses para minha formatura, após um infarto fulminante, Dr. Gonçalo partiu desse mundo. No fundo talvez ele já soubesse da sua condição de saúde porque me deixou assegurada, todos sabiam que a minha permanência na clínica Sorria Mais era certa e ele já até tinha separado um consultório para mim, para quando eu conseguisse o um CRO. Ele sempre dizia: "foi por mérito.
Não só meu chefe, professor da universidade, mas também, meu professor da vida, como eu o chamava carinhosamente, pois além da profissão aprendi muitas lições de vida com ele.
Só que ele era daquela época que a palavra valia mais do que qualquer documento e enquanto ele estava vivo, suas vontades e ordens eram cumpridas. O problema foi que os filhos não herdaram o caráter do pai e três dias depois da minha formatura, após o contrato de estagiária acabar, quando pensei que assinaria o contrato de admissão permanente, recebi a notícia que estava desempregada.
A decisão dos herdeiros me afetou de imediato, não somente financeiramente, mas também gerou uma tensão psicológica para a qual eu não estava preparada. A bomba havia caído sobre a minha cabeça sem aviso prévio e eu me senti literalmente sem chão.
Cada palavra dita pelo responsável do RH praticamente rasgava minha alma, contei de um até dez, clamando todas as divindades por socorro, preferia estar em um pesadelo demoníaco, mas o que estava vivendo era a mais dura realidade e então contei até vinte para me acalmar, não queria perder a compostura e chegar a ponto de implorar para que a família do Dr. Gonçalo cumprisse com a palavra do falecido, meu orgulho era maior.
Após respirar fundo e ser movida pelos passos da fé, busquei de dentro de mim toda a minha capacidade de dar a volta por cima. Fui para a minha sala, ou melhor, ex sala, arrumei meus equipamentos que não eram muitos, os guardei em uma caixa média e em menos de uma hora já estava do lado de fora da Sorria Mais, vestida com a esperança que meu diploma e o meu CRO me davam, mas mesmo assim, com uma tristeza retada no rosto.
Era difícil acreditar que tudo aquilo estava acontecendo comigo. Aquele tombo era algo que eu jamais poderia ter antecipado.
Eu, sozinha, desempregada e sem muitas perspectivas.
Enquanto caminhava para o estacionamento, repetia comigo mesma, em meu pensamento, que eu era forte, capaz e que ia conseguir um emprego excelente, porém, o bom já era suficiente para o início de carreira.
Ao entrar no meu Ford Ka, logo me lembrei das inúmeras parcelas que ainda estava devendo do consórcio, desesperada e sem poder perder tempo, liguei o carro e fui para o Centro Médico de Ondina, um dos lugares onde se concentrava a maior parte das clínicas odontológicas de Salvador. Eu tinha fé que ia conseguir pelo menos algo temporário.
Ao chegar, a esperança não me faltou, subi cada andar com meu melhor sorriso nos lábios e entre os dez andares do Centro, no dia que o meu mundo caiu, contei até trinta. Não sabia que era possível receber tantos NÃOS em toda minha vida.
Já no quarto dia após a minha formatura descobri que o poço tinha fundo falso, achava que era impossível cair mais do que já tinha caído, só que eu continuei descendo, sentei e até deitei nele.
O fato é que a crise atual brasileira afastou as pessoas simples dos consultórios odontológicos, quem mais ia conseguir pagar por um tratamento que parecia tão supérfluo tendo outras prioridades? A não ser que houvesse dor, ninguém mais procuraria por um tratamento. Com o setor abalado, prosperavam os grandes consultórios com atendimento à classe A e estes já tinham seus dentistas certos, eu não era bem-vinda. Já os que prestavam atendimento ao público de menor renda, bem, nestes estavam dispensando os profissionais.
— Deus do céu! O que vou fazer? – Verbalizei sem me importar com quem estava no elevador. — Respire fundo, Vitória, respire fundo. – E assim eu fiz até chegar no térreo do Centro Médico Iguatemi para depois seguir pelo curto caminho até chegar no Salvador Shopping, onde estava o meu carro.
Logo que cheguei, caminhei até a delicatessen Doces Sonhos, onde parei por alguns segundos observando uma torta de abacaxi maravilhosa. Era tudo o que eu precisava, o dia tinha que ter algo doce e então, decidida, sem me importar com as calorias que de vez em quando me tiravam do sério, fiz o pedido e aguardei ansiosamente pela fatia suculenta, que se mostrava até curativa para o meu desespero.
Enquanto me deliciava de olhos fechados, sentindo cada pedacinho da maravilhosa iguaria derretendo na boca, adocicando meu paladar, lembro de ter ouvido uma voz máscula que me saudava com um "boa tarde" entonado. Abri os olhos e vi um jovem muito simpático, de pele clara, alto e olhos escuros. Ele estava parado bem na minha frente e pelo que me lembre, a segunda frase que ele disse foi:
Continuaaa ❤
PS- Tenho autorização da LIGA para postar...
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Na mira de Fabrício - DEGUSTAÇÃO
Storie d'amore"E se uma assinatura em um contrato virasse sua vida de pernas para o ar?" Vitória mal conseguiu o seu diploma e foi demitida, passando por uma situação difícil, ela se vê diante de uma proposta que pode salvá-la da dificuldade financeira pela qual...