o baile

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2020

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2020

Anualmente, algumas faculdades do estado do Kentucky fazem excursões com seus mais variados alunos e a maioria das meninas praticamente correm até mim.

Aparentemente, visitar asilos conta como atividade extracurricular em algumas grades de cursos de faculdades, então, não sei direito afirmar como, porquê ou quando começou mas foi necessária somente uma vez que eu contasse minha história de amor com Charles Reed para que milhares de garotas quisessem revisitar o asilo.

Elas praticamente ameaçam os funcionários para que lhes digam onde está Darla Price.

E aqui estou eu, sentada em uma cadeira relaxante no jardim do asilo, cercada por amigas velhas, observando o próximo formigueiro de pessoas ansiosas para ouvir uma história de amor.

Há dez garotas quase saltitando de ansiedade, com sorrisos nervosos e trocando comentários do tipo ''Acha que essa história vai ser tão impressionante quanto dizem?''

Em especial, uma garota vem em minha direção, sua pele escura e seus olhos melancolicamente ansiosos me dizem que ela precisa ouvir uma história de amor.

Desvio meus olhos dela e vejo o grupo se aconchegar ao meu redor. Algumas sentam em cadeiras, outras no gramado. Quando volto os olhos para a garota na minha frente, ela se apresenta, diz que seu nome é Gwendolyn Cooper e me avisa que é a nova monitora que agenda as visitas no asilo.

Eu assinto, sorrindo, fazendo minhas rugas se apertarem no canto dos olhos.

Observo as garotas, os olhares curiosos. Parece com as famosas ''noite das garotas'' só que estou velha demais para as acompanharem e ao invés disso, eu as convido a aguardarem pacientemente enquanto forço minha memória.

As lembranças da minha juventude se embaralham e em seguida, organizam-se, ao passo que tento pensar no simbólico momento em que tudo aconteceu.

The Beatles. Eu me recordo.

Instantaneamente, meus dedos param de batucar nos braços da cadeira e minha mente divaga até meados da década de 70, quando meus cabelos eram escuros e o esmalte em minhas unhas estava sempre na cor preta e descascando.

Observo o grupinho e minha boca começa a se mover a medida que as palavras saem:

Há momentos que se eternizam, enraizando-se nas entranhas dos nossos cérebros, mesmo que sejam breves, mesmo que sejam apenas passageiros.

A juventude é o que há.

O baile da formatura sempre foi o evento mais esperado. E superestimado também.

Eu odiava grandes eventos mas só porque vivia neles: minhas tias produziam tantas festas que eu me perdia no temas. Consigo lembrar do desgosto ao puxar o zíper daquele belo vestido, pra fechá-lo e seguir para o baile de formatura.

Também consigo me lembrar do calafrio quando ele abriu aquele zíper, semanas depois.

Charles Reed era um dos idiotas colocando bebida alcoólica no ponche, no meio do baile.

A outra idiota era eu.

Em todos os anos, não fomos muito próximos. Exceto algumas alfinetas. Entendíamos o humor ácido um do outro. Fora isso, achava que não tínhamos mais nada em comum.

Digo, ele era um cara legal, se mantivesse a distância pois não tinha uma boa fama entre as conversas dos vestiários femininos.

— Embebedando meninas para que caiam na sua conversa furada, Chuck?

— Fala sério, isso seria o nível mais baixo de canalhice. — Virou-se pra mim.

— Então, está apenas tentando manter a imagem de cara mau?

Chuck tinha essa energia em volta dele.

Aquele espírito inconsequente, o olhar desafiador e uma conversa articulada. O tipo de pessoa que você não conseguia tirar os olhos, porque estava sempre sendo tão... interessante.

— É minha última noite em um evento civilizado. Estou tentando nos presentear com um baile de verdade. — Ele serviu o ponche para mim e me entregou o copo. — Você sabe, aquela coisa toda com virgindade e pactos de sangue.

E me fez rir.

Ele estava certo, as pessoas ficavam extremamente sensíveis e emocionadas no último dia do colegial.

Melhores amigas prometendo um reencontro. Namorados criando planos para fazer dar certo relação à distância. As digníssimas virgindades se perdendo pelo resto da noite. E se déssemos sorte, alguma briga com direito a um nariz quebrado.

O clichê do baile de formatura era sempre um bom começo de conversa.

Dei um gole naquele ponche que amargurou minha língua inteira. Eu havia colocado meu velho uísque no líquido vermelho e Chuck colocou, seja lá o que for, e me fez apertar os olhos com o gosto amargo.

Pisquei algumas vezes, voltando-me para ele.

— Então, qual o próximo destino?

Ele pensou por um instante enquanto levava a mão até os meus lábios.

Limpou a gota do ponche que escorria até meu queixo e sua boca se curvou em um breve sorriso numa mistura de esperança e adrenalina, e aquilo foi o bastante para minha curiosidade aumentar.

Esse era o grande problema daquele cara, naquele baile. Ele instigava as pessoas. Não éramos próximos mas isso sequer era necessário para que me mantivesse entregue ao suspense que ele criava sobre as situações.

Sempre memorável.

Chuck estendeu a mão e eu, ainda aérea demais, encostei meus dedos aos dele e fui puxada em direção àquele corpo. O cheiro cítrico o suficiente para me anestesiar. O toque quente demais.

Lembro como se fosse ontem: Oh! Darling dos The Beatles tocava ao fundo. Nós nos movimentamos calmamente e a intensidade transbordava nos olhos dele.

— A vida, querida.

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