26 Novas perspetivas

19 1 0
                                    

Ponderando as sugestões carinhosas e sábias da mãe de Lísias,
acompanhei Rafael, convicto de que iria, não às visitas de observações, mas ao
aprendizado e serviço útil.
Anotava, surpreso, os magníficos aspectos da nova região, rumo ao
local onde me aguardava o Ministro Genésio; contudo, seguia Rafael, em
silêncio, estranho agora ao prazer das muitas indagações. Em compensação,
experimentava novo gênero de atividade mental. Dava-me todo à oração,
pedindo a Jesus me auxiliasse nos caminhos novos, a fim de que me não faltasse
trabalho e forças para realizá-lo.
Antigamente avesso às manifestações da prece, agora a utilizava como
valioso ponto de referência sentimental aos propósitos de serviço. O próprio
Rafael, de quando em vez, lançava-me curioso olhar, como se não devesse
esperar tal atitude de minha parte.
Deixou-nos o aeróbus à frente de espaçoso edifício. Descemos, calados.
Em poucos minutos, achava-me diante do respeitável Genésio, um velhinho
simpático, cujo semblante revelava, entretanto, singular energia.
Rafael apresentou-me fraternalmente:
– Ah! Sim disse o generoso Ministro –, é o nosso irmão André?
– Para servi-lo – respondi.
– Tenho notificação de Laura, referente à sua vinda. Fique à vontade.
Nesse ínterim, o companheiro aproximou-se respeitosamente e
despediu-se, abraçando-me em seguida. Rafael era esperado com urgência no
setor de tarefas a seu cargo.
Fixando em mim os olhos muito lúcidos, Genésio começou a dizer:
– Clarêncio falou-me a seu respeito, com interesse. Quase sempre
recebemos pessoal do Ministério do Auxílio, em visita de observações que, na
sua maior parte, redundam em estágios de serviço.
Compreendi a sutil alusão e obtemperei:
– Este o meu maior desejo. Tenho mesmo suplicado às Forças Divinas
que me ajudem o espírito frágil, permitindo seja convertida a minha
permanência, neste Ministério, em estação de aprendizado.
Genésio parecia comovido com as minhas palavras e, valendo-me das
inspirações que me inclinavam à humildade, roguei, de olhos úmidos:
– Senhor Ministro, compreendo agora que minha passagem pelo
Ministério do Auxílio se verificou por efeito da graça misericordiosa do
Altíssimo, talvez devido a constante intercessão de minha devotada e santa mãe. Noto, porém, que somente venho recebendo benefícios, sem nada
produzir de útil. Certo, meu lugar é aqui, nas atividades regeneradoras. Se
possível, faça, por obséquio, seja transformada a concessão de visitar em
possibilidade de servir. Compreendo hoje, mais que nunca, a necessidade de
regenerar meus próprios valores. Perdi muito tempo na vaidade inútil, fiz
enormes gastos de energia na ridícula adoração de mim mesmo!...
Satisfeito, notava ele, no fundo de meu coração, a sinceridade viva.
Quando eu recorrera ao Ministro Clarêncio, não estava ainda bastante
consciente do que pedia. Queria serviço, mas talvez não desejasse servir. Não
entendia o valor do tempo, nem enxergava as bênçãos santificantes da
oportunidade. No fundo, era o desejo de continuar a ser o que tinha sido até
então – o médico orgulhoso e respeitado, cego nas pretensões descabidas do
egotismo em que vivia, encarcerado nas opiniões próprias. No entanto, agora,
diante do que vira e ouvira, compreendendo a responsabilidade de cada filho de
Deus na obra infinita da Criação, punha nos lábios quanto possuía de melhor.
Era sincero, enfim. Não me preocupava o gênero de tarefa, procurava o
conteúdo sublime do espírito de serviço.
O velhinho fitou-me, surpreendido, e perguntou:
– É mesmo você o ex-médico?
– Sim... – murmurei, acanhado.
Genésio calou por momentos, como buscando resolução para o caso,
dizendo, então:
– Louvo seus propósitos e peço igualmente ao Senhor o conserve nessa
posição digna.
E, como que preocupado em levantar-me o ânimo e acender-me no
espírito novas esperanças, acentuou:
– Quando o discípulo está preparado, o Pai envia o instrutor. O mesmo
se dá, relativamente ao trabalho. Quando o servidor está pronto, o serviço
aparece. O meu amigo tem recebido enormes recursos da Providência. Está
bem disposto à colaboração, compreende a responsabilidade, aceita o dever.
Tal atitude é sumamente favorável à concretização dos seus desejos. Nos
círculos carnais, costumamos felicitar um homem quando ele atinge
prosperidade financeira ou excelente figuração externa; entretanto, aqui a
situação é diferente. Estima-se a compreensão, o esforço próprio, a humildade
sincera.
Identificando-me a ansiedade, concluiu:
– É possível obter ocupações justas. Por enquanto, porém, é preferível
que visite, observe, examine.
E logo, ligando-se ao gabinete próximo, falou em voz alta:
– Solicito a presença de Tobias, antes que se dirija às Câmaras de
Retificação.
Não se passaram muitos minutos e assomou à porta um senhor de
maneiras desembaraçadas.
– Tobias – explicou Genésio, atencioso –, aqui tem um amigo que vem
do Ministério do Auxílio, em tarefa de observação. Creio de muito proveito para ele o contato com as atividades das câmaras retificadoras.
Estendi-lhe a mão, enquanto o desconhecido correspondia, afirmando,
gentil:
– Às suas ordens.
– Conduza-o – prosseguiu o ministro, evidenciando grande bondade –.
André precisa integrar-se no conhecimento mais íntimo de nossas tarefas.
Faculte-lhe toda oportunidade de que possamos dispor.
Prontificou-se Tobias, revelando a maior boa-vontade.
– Estou de caminho – acrescentou ele, bem-humorado –, se deseja
acompanhar-me...
– Perfeitamente – respondi, satisfeito.
O Ministro Genésio abraçou-me, comovido, com palavras de animação.
Segui Tobias resolutamente. Atravessamos largos quarteirões, onde
numerosos edifícios me pareceram colmeias de serviço intenso. Percebendome a silenciosa indagação, o novo amigo esclareceu:
– Temos aqui as grandes fábricas de “Nosso Lar”. A preparação de
sucos, de tecidos e artefatos em geral, dá trabalho a mais de cem mil criaturas,
que se regeneram e se iluminam ao mesmo tempo.
Daí a momentos, penetramos num edifício de aspecto nobre.
Servidores numerosos iam e vinham. Depois de extensos corredores, deparouse-nos vastíssima escadaria, comunicando com os pavimentos inferiores.
– Desçamos – disse Tobias em tom grave.
E notando minha estranheza, explicou, solícito:
– As Câmaras de Retificação estão localizadas nas vizinhanças do
Umbral. Os necessitados que aí se reúnem não toleram as luzes, nem a
atmosfera de cima, nos primeiros tempos de moradia em “Nosso Lar”.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Jun 15, 2019 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Nosso LarOnde histórias criam vida. Descubra agora