Pode me ajudar?

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- Com licença.

Ouviu.

- Com licença. Pode me ajudar?

Abriu os olhos e a cena que viu era horrenda: uma criatura com um formato peculiar nunca visto antes, constituída pela fumaça tênue que permitia a visibilidade da parede branca ao redor, um olho profundo e sem brilho, sem pés, espinhos vermelhos o cercavam, comprimindo; a única coisa comum que tinha era sua boca, mas estava ferida.

- O que você é?! - Cristina gritou e sua voz ecoou naquele cubículo que parecia imenso quando ainda estava desnorteada.

A coisa olhou para baixo e pensou, com os lábios entreabertos.

- Eu não sei - Respondeu quase sem forças.

Então ele começou a chorar. Por aquele olho saíam gotas transparentes que refletiam uma luz superior, porém, nem assim era possível ver um cintilar no espaço que devia ter pupila.

- Onde estamos?! - Cris tornou a perguntar.

Ao olhar ao redor, Aquilo não soube o que dizer, portanto calou-se.

Ele estava triste, sem noção. Também não sabia o que fazer além de alisar suas mãos e entrelaçar seus dedos machucados, sem demonstrar reação à dor.

Cristina, a única que sabia quem era e o que podia fazer, estava assustada; não conseguia gritar, parecia travada no apoio que encontrou ao se arrastar pra tentar fugir daquilo.

- Você pode me ajudar? - Repetiu.

- Eu quero ir embora! Eu não posso ficar aqui! Me tirem daqui! - Começou a exclamar mais e mais alto, esperando que ao maior som que pudesse fazer o lugar ficaria instável e sairia dali.

Novidades, definitivamente, não são o forte dela.

A coisa voltou a chorar, agora com soluços. Depois de um tempo suas forças sumiram e ele caiu no chão, desacordado e sem respiração.

Cris se aproximou, com as mãos rente ao tronco. Pensou estar livre do cativeiro em que ficou por alguns minutos, sorriu por dentro e não foi capaz de transparecer em seu exterior. Parecia-lhe suficiente sentir-se feliz sozinha.

Porém sua felicidade foi curta. Como ao receber um choque, a coisa abriu o olho enorme e ergueu-se; reclinou o que seria a coluna na parede e, abatido, solitário, perto de desistir, disse:

- Também quero sair daqui, mas não consigo sozinho. Eu preciso de ajuda.

Enquanto falava, ele ficava mais transparente, em partes parecia o ar que Cris inalava ofegantemente, o que a fez temer de forma intensa e inexplicável (não queria inalar algo que não conhecia nem origem, nem o que poderia causar), então racionalizava o oxigênio que entrava e, incrivelmente, ficava muito tempo em seu pulmão até necessitar ser expelido, procurava fazê-lo quando tinha noção de onde estava o resto do corpo de... Hm... Daquilo.

- Você não é a primeira a me abandonar. Aqui pode parecer legal: um lugar branco, limpo e que nunca fica sujo, mas olhe pra mim! Eu sou sujo e estou morrendo só neste conforto confinador que finge me alegrar! - Então tornou a chorar. - Acha que eu não queria saber quem sou? Por que existo? Acha que eu não me sinto só?! Sou horrível! Ninguém me quer! Por que iriam querer-me?!

Oh! Cris não sabia que um pesadelo poderia ter tantos sentimentos a demonstrar. A mulher começou a se comover com a história da coisa. Afinal, compactuava com aqueles que pensavam de forma similar, tudo bem que não era realidade da atual Filha de Deus, mas já viveu atormentada por seus próprios cativeiros imaginários que lhe matavam por falta de ar, comida e Deus. Já viveu assim antes de conhecer ao seu Jesus, que lhe transformou e fez com que seus dias fizessem sentido. Quem sabe apresentá-lo fosse a solução para tal?

- Jesus te ama...

- Obrigado - Isso foi o que recebeu.

Ela ficou tensa; há tempos não dizia aquelas palavras pra alguém; tinha se esquecido do prazer promovido por anunciar este amor que recebeu e que se reafirmava cada vez mais quando externado para a sua amada geração, apesar de não ter sentido.

Desviou o olhar.

Nos anos em que era comum o propagar de sua fé, nunca alguém reagiu tão friamente! Sempre contavam da sua vida, do porquê de não acreditarem na tal Bíblia; entravam em discussões teológicas para justificar o comportamento que tinham; raramente aceitavam a mensagem e convertiam-se ao Evangelho; nada tão vazio como a reação daquilo ocorreu antes.

Talvez porque tenha perdido o jeito de manifestar a Graça, ou simplesmente ele não se dispôs a recebê-la de novo e de novo, pois já sabia o que viria após a aceitação: renúncias, questionamentos que não queria ignorar, convivência com hipócritas e amar aos inimigos! Não! Impossível! Esse Jesus não valeria tanto ao ponto de modificar a sua vida inteira para encaixar-se em outra caixa com padrões de molde diferentes.

Oh! Tão iludidos! Cobertos pelo véu que impedia que vissem além de seus problemas e limitações. Morto que queria vida, pobre que se via rico, Cris e Aquilo estavam mais interligados do que imaginavam.

A almaOnde histórias criam vida. Descubra agora