Capítulo 1 - Vazio

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Sabemos quando as coisas começam a dar errado em nosso caminho.

Às vezes achamos desculpas para remendar certas coisas que jamais têm conserto de verdade. Tal um item de cristal, deixe-o cair aos seus pés e depois cole-o com qualquer substância, pode ser até com aquela que consideramos a mais apropriada e não fica igual. Nem ficará se fingirmos. Eu fingi por tanto tempo que ainda era feliz e que ainda havia coisas positivas em que pudesse me agarrar, mas nosso cristal já estava partido e o remendo nunca prestou.

Eu quis me concentrar nas partes boas que vivemos.

Ele estava mais fora do que dentro da relação.

Eu me culpei pela falta de caráter dele, achei que era falta de zelo de minha parte.

Um dia eu esgotei todas as minhas cartas. Fiquei sem um trunfo na manga. Fiquei vazio.

No momento em que reatamos em final de 2014, estávamos tomados por uma emoção sincera, necessidade de cuidados e de amor. Ele precisou da cura, eu o ajudei no processo. Creio que não fiquei lhe devendo nada. Nem acho que ele me deva. Porém, colocar um ponto final num relacionamento de tão longa data, foi difícil para mim.

Não começamos bem o ano de 2019, cobranças da parte dele sobre meus excessos no trabalho SEMPRE, acusações minhas sobre sua primeira traição SEMPRE foram fantasmas, espíritos malignos que nos assombravam até à luz do dia.

Amigos tomavam mais as minhas dores do que as dele, devido aos fatos anteriores. Eu começava a me sentir mais idiota do que sempre me achei por tê-lo concedido um perdão. Por comodidade, eu achei que o isolamento era a melhor coisa. Cortei muitos contatos de amizades antigas e novas, metia uma desculpa de que estava sempre muito ocupado e assim sem muita explicação, meus amigos ficaram sabendo que eu estava solteiro outra vez.

Foi bizarra a maneira como descobriram sobre minha separação. Aqueles mais ligados e que nos seguem em alguma rede social notam mais rapidamente.

— Viado, excluiu seu insta? — Raul me pergunta pelo WhatsApp. — Queria te mostrar aquele médico, cara...

— Olha lá Raul... o Marcelo é chato, mas não faz isso — sendo um homem chifrado me solidarizava com Marcelo.

— A gente terminou bem antes do Carnaval.

— Quê? Vocês estavam juntos no Carnaval, tás é louco! O quê...

— Uma recaída, só recaída. Marcelo tá magoado comigo, cara. Ninguém merece, odeio gente desorganizada, com a empresa fodida, cheio dos não me toque, cada dia mais enterrado nas pendengas, só reclamando de tudo.

— Ah tá, mas não traiu ele né?

— João, nem todo mundo é igual ao teu dito cujo tá. Eu já traí na vida? Já. Já fui traído? Já. Mas comigo é bola pra frente. Não é comigo esse negócio de me isolar num canto. Nem me faço de coitado.

— Quem tá se fazendo de coitado? Tô quieto na minha, só isso. Cada um lida com suas amarguras de uma maneira diferente. Tanto que ninguém sabia que eu tinha terminado com o Carlos.

— Tu terminou?

— Sim. Ele me botou a pressão de sempre e eu mandei ele sair. Dei um basta. Quando falei sobre terminar de vez, eu pensei que ele ia pedir para eu reconsiderar. Mas eu já estava tão saturado que torci para ele sair da minha casa e... ele foi.

— Putz...

— Tu tá saindo com um médico? Mal terminou com o Marcelo.

— Tadinho do Marcelo cara. Não adianta insistir naquilo. Eu saturei num ano de namoro, nem precisei ir tão longe. Ei, olha a mensagem que ele me mandou, deixa eu ler pra ti: "Raul, te mandei mensagem ontem, hoje, semana passada, para de ignorar e responde sim ou não, não me ignora. Responde minha pergunta."

Dois EscorpianosOnde histórias criam vida. Descubra agora