Capítulo 9 - Sorriso

670 92 42
                                    


O que contei sobre Carlos, o perturbou. Falei o mínimo. Escolhi as palavras menos pesadas. Pouco adiantou devido a profundidade do que restara.

— Acho que nós dois estamos cabreiros com os ex né. — tento amenizar. Marcelo parece ter os olhos úmidos. São lágrimas que ele luta para não deixar escorrerem. Ele é muito sensível.

— Sim. Eu só queria saber se ele te liga. Não vou perguntar mais nada.

— Tudo bem. 

Seu jeito receoso me comove um pouco, mas meu recado foi dado nas entrelinhas. Não falar de ex dá alguma chance de florescer algo.

— Ele tá namorando. Se já deixou o outro postar no facebook que estão namorando é porque tá tocando a vida.

— Tu já pensou em dar uma chance?

— Chega desse assunto... por favor... — sinto minhas têmporas pulsando.  — Marcelo, uma hora quando estivermos de cabeça fria eu te conto tudo o que passei quando ele aprontou a primeira vez comigo e como que está sendo agora. Eu sofri pra caramba há uns anos atrás. Hoje tá um pouco diferente. Tô sentindo um vazio, mas porque tive um companheiro por quase vinte anos. Até você ou o Raul devem ter sentido isso. Mas não se prenda no que você acha que eu tô passando, porque não estou querendo voltar com ele. Quero respirar, entendeu? Não vamos ficar nos cobrando tanto agora.

— Tá... mas tu entende que somos uma raça desconfiada. — ele sorri.

— Muito.

— Vou tentar não pirar então. — Marcelo aperta meus dedos que estão apoiados na mesa e cantarola junto com a música ambiente. Marília Mendonça. Já vi que começamos com algo totalmente fora de ritmo, eu detesto música sertaneja. Ele parece amar. — Amo essa parte...

"Se ele que é amigo tomou uma, esqueceu, imagina eu que tô bebendo o dia inteiro aqui jogado. Mandou um sorriso e acertou o meu ponto fraco"

Ele gargalha após cantar o refrão. Eu reviro os olhos e digo um "puta que pariu" inaudível.

— Que foi, João? — ele se diverte com minha cara. — Menino vou te arrastar para todos esses shows de cantores sertanejos e tu vai amar.

Em vinte anos Carlos não conseguiu me fazer gostar de Zezé de Camargo, Bruno e Marrone ou Victor e Léo, cuja qualidade era mais decente, não será em poucos encontros que vou respeitar isso.

— Vai sonhando. — respondo com uma risada contida. — Vou ouvir Baba o'riley pra tirar essa coisa ruim da minha cabeça.

A comida (quando finalmente veio) mereceu um like. O ambiente, as pessoas a volta, tudo bem aconchegante. Marcelo e eu falamos sim sobre nossos trabalhos, às vezes mais empolgados e outras vezes demonstrando cansaço. Conseguimos arrancar algumas risadas um do outro, pois percebemos um no outro, um amor desmedido pelo sarcasmo tão próprio de nossa raça. Talvez tem mais em comum com a personalidade. Marcelo é um debochado quase malvado. Eu sou o super sincero que desce o cacete sem dó.

— Sábado, acha um tempinho pra sair comigo... — ele sugere quando entramos em meu carro — eu bebo super pouco, tem noite que não bebo nada. Aí te busco em casa.

— Vou pensar no seu caso. — o calo com um beijo e quando termino, ele me puxa pelo pescoço e beija mais.

Conversamos por mais uns vinte minutos no estacionamento antes dele entrar em seu próprio carro e ir pra casa. Ele havia desistido de ir pra minha casa. Ficou afetado. Mais de uma hora de conversas pelo aplicativo. Outra noite de pouco sono, mas com um despertar mais leve. Acordei com saudade do moreno dos olhos castanhos. Deixei-lhe uma mensagem de "bom dia" e recebi outra durante a manhã daquele sábado.

Dois EscorpianosOnde histórias criam vida. Descubra agora