O canal da mancha - Parte Harry

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ADONIS NARRANDO

- Eu te amo.

- Eu também te amo, mãe.

Estou quase chorando. Volto para meu quarto. Me deito em minha cama e pego meu celular rápido. Estou exausto mas antes de dormir tenho que ler essa última história. Preciso descobrir o que aconteceu com Harry.

Vamos lá, Harry. Me conte sua história.

DEPOIMENTO DO HARRY

Olá, me chamo Harry. Atualmente moro em Brighton, no sul da Inglaterra. Mas minha história começou na França. Era 1995, eu tinha 14 anos na época.

Desde antes do ocorrido, eu já sabia que gostava de meninos. Mas com ele tudo mudou. Uma coisa era sentir atração, até alguns héteros se sentem atraídos por alguém do mesmo sexo, basta uns 7 shots de vodka para um hétero deixar de ser hétero por uma noite. Com ele foi diferente. Eu me apaixonei por Apollo.

Eu estava andando na cantina quando ele esbarrou em mim, e me sujou com o café que estava em suas mãos. Eu fiquei um pouco irritado, pois teria que sair com meu pai logo depois da aula, e ele não podia ver aquele uniforme sujo. Ele sugeriu trocarmos de roupa. Enquanto trocávamos de roupa no banheiro, acabei reparando bastante no corpo dele. Ele era negro, tinha uns bons músculos e cabelo crespo. Achei ele muito atraente.

Estava encantado com a sua beleza. Ele parece ter percebido, e logo ele também me encarava. Ambos estávamos secando o corpo um do outro. Então pensei que essa era minha chance de fazer o que sempre quis. Eu fui até ele, o beijei rapidamente, e saí dalí por precaução caso ele fosse hétero mesmo.

Mas hétero era a última coisa que ele era. No outro dia, nós nos encontramos novamente, e ele me beijou. A partir daí continuamos a nos ver. Nossos encontros eram constantes. Estávamos descobrindo o que era o amor na companhia um do outro. A primeira transa, os primeiros encontros... O primeiro amor.

Tudo ia bem, pelo menos até o dia em que um funcionário do meu pai descobriu. Meu pai desconfiava de minhas saídas frequentes. Então, mandou me seguirem. Ele sempre foi muito conservador. Ele é um importante comerciante inglês que atua com transporte de carga e passeios turísticos no canal da mancha.

Nunca esquecerei o dia em que ele descobriu. Assim que cheguei fui recebido a socos. Antes de saber o que estava acontecendo ali, eu já estava todo quebrado no chão. Ele me bateu até eu ficar inconsciente.

Quando acordei, ele estava lá. Me dizia que eu estava praticando atos repugnantes, que eu era nojento e que ele tinha desgosto de mim. Eu chorava enquanto ouvia. Ele disse que ia mandar darem um fim em Apollo por fazer o filho dele "virar" gay. Na mesma hora, eu bati de frente com ele, e me reafirmei como sendo homossexual não por influência de terceiros, mas sim porque nasci assim, e nada poderia mudar quem eu sou.

Ele saiu do meu quarto, e me deixou sozinho lá. Sozinho. Machucado. Destruído, fisicamente e mentalmente. Ouvir da boca de quem me criou que eu era nojento foi um trauma do qual nunca irei me livrar.

Depois de uma hora, meu pai voltou. Ele disse que como não podia me mudar, ele ia me mandar de volta para Brighton para viver com minha mãe. Pedi para poder ver Apollo pela última vez. Ele permitiu, mas disse que seria a última. O dia seguinte foi triste, nunca imaginei ter que me despedir dele. Passei meu endereço em Brighton, para que ele pudesse mandar cartas.

No dia de minha partida, eu subi a bordo do navio que me levaria de volta a Brighton. Foi difícil olhar para trás e ver meu amor ficando lá.

Quando cheguei em Brighton, minha mãe nem mesmo olhou em meus olhos. Ela estava fria comigo. Também havia deixado de me amar. No dia seguinte, chegou uma mensagem de meu pai. Tenho essa carta guardada até hoje.

" Preste atenção em minhas palavras, Harry. Sua mãe concordou em cuidar de você até o dia em que você fizer 18 anos. Mas vim deixar uma coisa bem clara. Você não é mais meu filho. Nem é filho de sua mãe. Então saiba que a partir de agora, até seus 18 anos, te daremos educação, comida e onde dormir. Mas no instante em que se tornar adulto, você vai sair daí, e nunca mais vai voltar. Também já vou avisando que se eu descobrir que você está falando com aquele garoto de novo, eu vou pessoalmente para matar aquele viado. "

Tais palavras são meu maior pesadelo, tenhos sonhos até hoje em que meu pai mata Apollo. Todos os dias, eu ia até a praia. Eu observava a água do canal da mancha, e sentia que eu podia ver Apollo do outro lado. Alguma coisa me dizia para continuar ali e observar. Eu olhava para o canal da mancha por até uma hora, fixamente. Aquilo me fazia sentir esperança de poder revê-lo.

Nunca pude responder suas cartas. E como prometido, no dia em que fiz 18, fui jogado na rua. Pensei em ir para um abrigo, mas o único que achei era só para mulheres e crianças, e como já tinha 18 anos, não fui aceito. Me tornei morador de rua por 7 meses. Não conseguia emprego, e com o tempo, minha aparência piorava. Isso destruiu de vez minhas chances.

Um dia eu achei uma sacola de roupas novas perdidas no chão. Tomei um banho no mar mesmo. Vesti as roupas, arrumei o cabelo com as mãos mesmo, e fui para as ruas. Mas desta vez eu tomei uma atitude mais radical para sair dessa vida. Fiquei em uma esquina, juntei algumas moedas que achei e comprei um pirulito. Fiquei sensualizando em uma rua escura com o pirulito na boca. Um carro parou ao meu lado. Essa foi a primeira vez que fiz programa em minha vida. Com o dinheiro da primeira noite, pude comer, dormir num motel, e tomar um banho. No dia seguinte consegui dois clientes. E então me firmei na vida como prostituto.

Hoje trabalho como acompanhante de luxo em Brighton. Nunca esqueci Apollo. Chorei inúmeras noites por ele. Fui em psicólogos para me livrar da depressão que me atormenta desde quando fui jogado na rua. Até penso em ir a Dunquerque na esperança de vê-lo novamente, mas não sei se ele me aceitaria como sou hoje. Mas nunca deixei de ama-lo.

Lhes deixo o meu conselho:

Se o amor vier até você, não o deixe ir embora.

Eu deixei ir. Não façam o mesmo.

FIM DO DEPOIMENTO

ADONIS NARRANDO

Coitado. Quando li a história de Apollo, pensei que Harry era um insensível por nunca ter respondido Apollo. Mas agora, vejo que quem mais sofreu nessa história foi Harry.

Tem como mandar mensagens para os autores desses depoimentos. Envio o link da história de Harry para o contato de Apollo. Acho que ele tem o direito de saber que não foi esquecido.

Estou prestes a dormir quando recebo uma mensagem no Whatsapp. Estranho. É um número desconhecido. Pera aí! Reconheço a foto. É o professor Guilherme.

Guilherme: Olá, Adonis. Sei que está um pouco tarde, mas acho que você deve ler essa história aqui:

Colours.com.storys/boyhasnevercryed

Guilherme: Te espero amanhã na escola. E por favor, não tenha medo de falar com seus pais.

Eu resolvo ir nesse link. Essa vai ser a última história. Depois disso, irei dormir e quando acordar, terei de enfrentar a vida novamente.

Essa história é de Pedro, de Ouro Preto.

Vamos lá, Pedro. Me conte sua história.

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