Quando uma coisa se quebra, é bem difícil concluir o que aconteceu com os pedaços. Na minha família, os pedaços se separaram quase que completamente. Se desuniram.
Mãos dadas eram o único símbolo de união que tínhamos, era pequeno, mas era o suficiente pra nos lembrar que talvez, um dia, nossos estilhaços pudessem ser colados. Foi isso que minha mãe me disse por anos, quando conversávamos sobre nossa família quebrada, quando ela baixava o olhar e lamentava que talvez nunca fosse conseguir nos reunir.
Eu sabia bem o quanto isso a machucava, se sentir impotente perto dos problemas de que separaram a Família Real de Herton, nossa família, ela sabia que não conseguiria fazer nada mesmo com o dano que aquilo tinha no país, era essa sua lei, seu maior sofrimento. O corredor da ala hospitalar era a prova disso.
Todos estávamos ali pela minha mãe. Mas éramos incapazes de dar as mãos por ela. Ela tinha me dito que aceitou que se não dariam as mãos por ela, talvez dessem por Oliver. O bebê a caminho lhe representava uma esperança ímpar. Um futuro em que os estilhaços da Família Real de Herton fossem colados novamente. Parecia algo distante, mas o que eu estava vendo já era um começo.
— Quantos anos fazem que eles não vem aqui? — William perguntou baixinho, para não chamar nenhuma atenção desnecessária para nós, ambos sabíamos que meus tios em silêncio eram a melhor opção.
— Dois anos e meio, talvez quatro. — Respondi esfregando minhas mãos, o ar condicionado estava castigando a todos,
aproveitei e me inclinei para frente, para observar tio Harold no início do corredor, com o olhar perdido no chão. — Numa ceia de natal, acho. Terminou em discussão, — revirei os olhos, — obviamente.— Pelo menos não sou o único com medo por aqui. — Segredou William, mas para si mesmo que para mim. — Na minha cabeça eles vão começar a brigar a qualquer momento.
— Na minha também. — Murmurei.
— Mas não vamos ser tão pessimistas, ok? - Perguntou apertando meu ombro. — Vai dar tudo certo.
— É que... — Comecei olhando de relance para William, e depois para a porta da sala a poucos metros de nós, ela estava fechada, ninguém entrava e nem saía. — Com a minha mãe lá dentro tudo parece o oposto do certo. — Falei baixinho, minhas mãos unidas quase tocando meu rosto. Meu Deus, que fique tudo bem. Por favor.
— E o impressionante é que você está calma como se não estivesse acontecendo nada. — William riu, claro que riu. Ele ria de tudo. Não fazia muita coisa além disso, ao menos ele conseguia fazer a minha irmã feliz.
— Eu tô me esforçando. — Ri de volta, recuperando minha postura perdida, bem na hora que Abigail abriu a porta da sala. Eu e William nos impulsionamos para levantar, mas ela passou direto por nós dois.
— Querida. — William chamou acenando com a mão, minha irmã olhou de canto de olho, mas mesmo assim não parou. — Querida.
— Abbie. — Chamei, e a casca de resistência dela finalmente caiu, se aproximou de nós, e contorceu uma mão na outra sem parar, virou a cabeça de um lado pro outro, ficar parada estava sendo um desafio pra ela.
— O que aconteceu?
— O que? — Ela perguntou ao segurar o ombro de William que beijou a testa dela rapidamente.
— O que foi que aconteceu, por quê ela desmaiou do nada?
— Não sabem. Não têm como saber aqui, — Explicou apertando as têmporas, eu quase podia ver a preocupação sugando cada pedaço da calma dela. Ela piscava os olhos e fitava tio Harold, tio Robert, e então, tio Wallace, que tinha chegado naquele exato instante. — Querem transferir ela para o hospital Central.
— Essa não... — Murmurei apavorada, infelizmente eu não era a única pessoa que tinha ouvido a má notícia.
— Por quê querem transferir Meredith para o hospital Central? — Tio Willace indagou de súbito. Sua esposa vinha logo atrás, ela sorriu pra mim de leve, eu sorri em resposta, com o nervosismo tangente no meu deslizar de lábios.
— Essa é a ala hospitalar do Palácio. — Objetou Abigail, praticamente revirando os olhos por ter que explicar algo tão óbvio, tinha algo errado de verdade. — O hospital Central com certeza vai fazer uma assistência mais apropriada.
— E como fariam essa transferência? — Replicou tio Wallace, cruzando os braços, estava bem visível que ele queria intimidar minha irmã. Mas ela não se intimidaria, ela nunca se intimidava. Ninguém usa uma coroa baixando a cabeça, e se o fizer, é inevitável que ela caia.
— Isso ainda vai ser posto em discussão. — Pontuou dando um passo para o lado, unindo as mãos em frente ao corpo com uma delicadeza digna do ballet, e deu as costas, com os passos firmes da rainha que era.
— Preparem a sala de reuniões. — Disse quando me aproximei, sendo acotovelada por todos os assistentes que tinham assuntos exigindo a atenção imediata dela, assuntos mais importantes que uma irmã mais nova assustada e preocupada.
— Abbie por quê uma reunião?!?
— Eu não quero que você se preocupe com isso. — Suspirou, cansada, com certeza ela estava cansada, ela e o meu pai não saíam daquela sala desde que minha mãe entrou pela porta numa maca. — É só que, eu não contava com nossos tios. E não posso decidir tudo sozinha. Não sou a única família da mamãe.
— Certo. — Respondi engolindo em seco, meus tios numa sala, num péssimo momento estressante, eu não conseguia ver aquilo com bons olhos, e ela também não.
— Mas... Tem alguma coisa errada com o bebê? — Perguntei engolindo em seco outra vez, e outra, e outra e outra. A gravidez era de risco, mas minha mãe estava perfeitamente bem naqueles meses!— É isso que precisam descobrir.
940 palavras
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União
Short StoryAnne sabia que para sua mãe, o nascimento do seu irmão seria uma verdadeira bênção. Mas a rainha Meredith não queria trazer mais um filho ao mundo para que ele crescesse numa família tão despedaçada como a dela, repartida e sem conserto, repleta de...