Capítulo 4

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Depois do que minha mãe disse, coisas que já tinham acontecido e coisas que iam acontecer pareciam já ter um rumo final, decidido por ela e não por nós. Era justo. E eu entendia pelo menos em parte. Só não queria aceitar. Repeti isso a mim quando vários médicos chegaram até a sala de espera da Família Real e a presença, deles assustaram a todos com as notícias que traziam.

Aquele já era o fim da tarde e o trabalho de parto estava oficializado, e não estava seguindo nada bem. Minha mãe estava cada vez mais fraca, eles disseram, e eu não conseguia imaginar ela pior do que quando tínhamos conversado no início da manhã. Estava tão fraca que talvez nem conseguisse trazer o Oliver ao mundo, mesmo com sua promessa de que ele seria uma ajuda e que estava a caminho.

Dali por diante, pelo querer da minha mãe eu e Abigail já sabíamos o que deveria acontecer, meu pai parecia sentir isso quando olhou pra nós duas, os ombros caídos, tão arrasado quanto nós.

Eu ouvia Henry me chamar, ele estava bem do meu lado, só que sua voz soava há quilômetros de distância. Estava abafada, a dele e todas as outras vozes, todas distantes, até eu parecia estar distante de mim mesma, meu choro estava tão sufocado que quando virei o corredor senti que estava saindo dentro do meu corpo. Lentamente. Assim como tudo a minha volta. Aceitar. Eu não ouvia nada quando me encostei na parede e cobri o rosto com as mãos, onde chorei e tentei me proteger de alguns flashes que vinham em minha direção, totalmente impediosos.

- Eu... - Tentei balançando a cabeça, balbuciando porque era o único modo que eu conseguia falar. - Eu não posso aceitar. - Confessei colocando a minha mão por cima da de Henry, que ele apoiou no meu rosto.

- Sinto muito. - Sussurrou, mexendo o polegar para enxugar uma das minhas levas de lágrimas. - Sinto muito mesmo.

- Eu sei. - Respondi de volta, tinham algumas pessoas se aproximando em volta, talvez os mesmos que tiraram fotos minhas, talvez outras, mas não me impediram de abraçar Henry, de buscar o único conforto que eu tinha me concentrando nos olhos dele. - É que eu não posso sentir. Eu preciso fazer alguma coisa.

***

Mordi os lábios ponderando o que tinha feito, pegar um avião real e viajar até o sul sem avisar ninguém não era exatamente muito prudente, era errado e eu já sentia minha consciência me cobrando com o frio que passava na brisa e da brisa pros meus ossos. Era errado e poderia não valer o risco, eu estava me confiando na tentativa, na coragem que me fazia adentrar aquela projeção maior do escritório abominável onde eu tinha me refugiado, dava pra sentir a amargura da minha avó no ambiente. Então nem me retraí muito quando ela se virou da cadeira onde estava e me jogou um olhar de desprezo.

- O que faz aqui? - Perguntou, cortando o silêncio.

Eu quis dar as costas e voltar pra casa. Para chorar lá e fingir que nunca tinha ido até ali, Henry e Lilian concordariam com a minha idéia, eles tinha protestado em me deixar entrar sozinha, eles sabiam que eu já estava muito abalada pra acabar mais comigo relembrando o dia em que ela começou aquilo tudo. Ano Novo de 2015. Quando a semente da discórdia dela floresceu e todos os filhos passaram a nem sequer se olhar. Eu me lembro dela gritando com a minha mãe, porque era incapaz de conter o ódio que sentia pela própria filha. Ódio. Por todos os filhos.

Minha mãe. Que poderia não sobreviver aquela noite, que poderia perder o filho, e nós, que poderíamos perder os dois. Era tudo isso que estava me motivando apesar da repulsa e da raiva, era isso que estava me fazendo cerrar os punhos e continuar.
- Vim pela sua filha.

- Vai ter mais um filho que não pode criar. - Disse com desdém, torcendo a cabeça para o lado, os cabelos brancos reluzindo com a pouca luz. - E?

- Você conseguiu separar a família, - Falei com a voz baixa, as discussões recentes se repassando na minha cabeça. - todos os seus filhos. Eles se culpam. Acham que você amava mais um que outro, agora eles se odeiam. Mas por um momento, será que você... - Minha língua coçava, não senhora, não avó, eu não fazia idéia de como chamá - la. - pode deixar tudo isso de lado, sua filha está morrendo.

- Ela só está... - Começou outra vez, com desdém, obviamente, mas parou. - A não ser que...

Ela levantou da cadeira, apontando o dedo enrugado na minha direção, certa do efeito que isso estava tendo em mim, do quanto eu estava coberta de horror pela atitude dela, pela risada que ecoou logo em seguida. - Não. - Colocou a mão sobre o peito. - Não, espere. Então - Ela pendeu a cabeça para o lado. - Pediram pra que escolhessem? Ela ou o filho?

Eu mordi os lábios, meu choro incessante querendo voltar, mas eu não iria chorar, não iria dar esse prazer a ela.

- Pediram a vocês que escolhessem. - Ela assentiu, parecia impossível pra ela os filhos reunidos pela minha mãe. Parecia impossível pra todos. - E você veio aqui, por ela, você, a filha mais nova, a quem ela sempre olhou por último

- Você quase destruiu o país, você destruiu a nossa família, não sei se tem orgulho disso. - Balancei a cabeça. - Mas se já amou ela em algum momento. Como uma mãe ama uma filha. Você vai se levantar e vai...

- Vou o quê? - Perguntou indignada, a
verdade devia doer, talvez ela não sentisse tanto orgulho assim. - Eu não vou a lugar nenhum.

- Faça o que quiser. - Falei, me esmagando por dentro. - Viva com esse peso na sua consciência. Seja esse tipo de mãe.

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