Capítulo 2

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     — Você não está atrasado? — Luci mexia nas unhas pela quinta vez, o supermercado estava vazio.
     — Já disse que não.
     — Ah, é mesmo, me esqueci que você é um nerd. Jamais chega atrasado — ela parou de mexer nas mãos e o encarou com um olhar presunçoso.
     John se remexeu no banco. As vezes a irmã o deixava desconfortável. Não que ele não a amasse, mas desde que havia deixado a escola Luci estava se afastando dele.
     — Acho melhor eu ir andando — ele se levantou.
     — Ei, ei calma, não precisa se ofender. As vezes eu esqueço como você é sensível — ela sorriu. John revirou os olhos.
     — Eu preciso mesmo ir. Quero chegar cedo, tenho que estudar para a prova de hoje.
     Luci o olhou como se soubesse muito bem que ele não precisava estudar, mas mesmo assim assentiu. John saiu do supermercado para a noite quente. Ele não precisava mesmo estudar, já estava preparado para a prova de linguagens que teria naquela noite, mas gostava de andar pelas ruas tranqüilas que circundavam a Academia de Referência em Ensino, tão diferentes das que ficavam perto de sua casa. Ele gostava de silêncio.
     John chegou antes dos portões serem abertos, ele não tinha muito o que fazer, então encostou-se na parede azul da Academia e esperou. Não demorou muito para que alguns alunos começassem a chegar. Era um pequeno grupo de garotos e garotas; falavam da última festa que havia acontecido no fim de semana, sequer olharam para John.
     — Você viu o vestido da Mel? — uma das garotas perguntou — Era completamente perfeito.
     — Pelo menos algo prestava naquela festa — outra garota respondeu.
     — Sim, tudo estava totalmente placi.
     John já havia se acostumado com aquilo. Ser invisível. Do lugar onde ele vinha as pessoas não passavam o fim de semana em festas. Tampouco se importava com aquilo, estava mais preocupado em manter sua bolsa e ir bem no teste de proficiência para dar a sua família melhores condições.
     Os portões abriram quando já havia uma boa quantidade de estudantes aguardando. A maioria era como John: jovens que buscavam conhecimento. Ele foi o primeiro a entrar. O grande salão de entrada da Academia tinha um piso de tom amadeirado apesar de não ter sequer um centímetro de madeira real. O lugar comportava tranquilamente os alunos, só era menor do que o refeitório.
    John se dirigiu para sua primeira aula do dia, física. Sentou-se nos fundos da sala, onde ficava sua estação. A tela ocupava a maior parte da pequena mesa branca, não deixando espaço para muita coisa, mas tudo que precisavam era da tela retangular. A cadeira de mesma cor da mesa era confortável mesmo para John que não era dos menores alunos.
     O professor chegou e logo a sala se encheu de estudantes. O burburinho que vinha de fora cessou assim que todos entraram e a porta foi fechada. Disciplina era o pilar da ARE.
     Física não era algo complexo para John. Ele gostava da maneira como as fórmulas entravam em sua cabeça e pareciam dançar. Era uma dança que ele conhecia. A única.
     Com os olhos grudados na tela de sua estação ele ouviu o sinal que indicava o final da aula. Os estudantes saíam apressadamente, mas ele preferia ficar por último, evitar o burburinho das grandes filas no refeitório. Foi o último também na fila da pílula da vida, mas minutos depois já caminhava para sua próxima aula.
     Ela já estava lá. Lia. Ele a encarou enquanto entrava na sala e acabou tropeçando em uma estação. Ela sequer o viu, mas ele preferiu assim, não queria fazer papel de idiota na frente dela.
     Seu coração gelou quando a viu ser expulsa da sala depois que ela discutiu com a professora. John se sentiu o mais ingênuo dos ingênuos por sentir algo por Lia. Ela era esnobe, com certeza vinha de uma família muito diferente da sua. Todos a admiravam, suas roupas, seu cabelo cor de cobre, seu status. Todas as garotas queriam ser Lia Cirqueira, e todos os garotos queriam namorá-la. Ele tentava não demonstrar seus sentimentos, mas quando a viu deixando a sala não pode evitar. Ela parecia tão triste, desolada. John não imaginava que aquela prova fosse tão importante para ela, já que sendo de uma família tão abastada não precisava se preocupar tanto com as notas para conseguir uma boa profissão. Entretanto John já havia notado como ela era dedicada, sempre tirava as melhores notas. Talvez fosse isso que o tivesse feito se apaixonar.
     Após a saída de Lia todos terminaram as provas sem nenhum incidente. John tinha certeza que havia acertado todas as questões. Quando o sinal soou todos começaram a sair, John apressou-se para deixar a sala. Uma idéia lhe ocorreu e ele precisava executá-la com rapidez antes que seu cérebro o fizesse recuar. Tirou o celular do bolso enquanto caminhava até o banheiro. Ele entrou em uma das cabines e sentou em cima do sanitário. Rapidamente entrou no sistema da ARE e procurou sua estação. A Academia possuía um sistema que permitia aos professores acessarem sua estação remotamente de um aparelho celular. Testes haviam sido feitos alguns meses atrás a fim de distribuir essa ferramenta para os alunos, mas as tentativas se mostraram falhas e acabaram desistindo da idéia. Porém o software usado nos testes ainda existia, estava desativado, mas existia. John comprara uma cópia nas férias. Um ex aluno o oferecera. De início recusou, não via uso para aquilo, mas acabou cedendo e comprando o programa, havia lhe custado quase todo o dinheiro que tinha ganhado trabalhando durante dois meses, mas ali sentado naquela privada ele agradecia por ter gastado seu salário.
     Ele ativou o programa e o conectou ao sistema. Não foi difícil encontrar a estação de Lia, era uma das primeiras. John precisava apenas da senha, mas isso não era problema, ele já a tinha. Dizia a si mesmo que o motivo de guardar a senha da garota em seu celular era nada mais do que segurança, mas de todas que ele havia descoberto, só a de Lia permanecia com ele.
     Ele digitou a senha e entrou, mas antes que conseguisse acessar os arquivos da prova uma mensagem apareceu em seu celular: INVASOR DETECTADO. John rapidamente saiu do sistema, mas ele temia que fosse tarde demais. O que foi comprovado quando ele ouviu os alto falantes emitirem o aviso: JOHN FERNANDES POR FAVOR COMPAREÇA A SALA DO DIRETOR! JOHN FERNANDES POR FAVOR... Ele saiu calmamente do banheiro e se dirigiu a sala do diretor enquanto guardava o aparelho celular no bolso.

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