— Você precisa começar essa semana — Raphael disse antes de levar a xícara de café na mesa — Eu já esperei tempo demais — ele apoiou a xícara na mesa e pegou o celular. Sequer olhou para o rosto de Vítor. Sua mãe suspirou.
— Eu acho que você poderia esperar mais um pouco — ela estendeu a mão e a apoiou na mão do filho. Vítor encarava o pão intocado em seu prato. Ele não conseguia parar de pensar na reunião que teve com os outros no dia anterior. Também não conseguia parar de pensar em Mali, mas ele dizia a si mesmo que isso se devia a investigação que eles estavam prestes a começar.
— Por quê? Assim que o ano acabar ele vai estar trabalhando lá, é bom que se acostume — seus pais continuavam a conversa sem que ele se intrometesse. Sabia que não faria diferença.
— Eu sei disso, mas depois do... — Mari tentou argumentar, mas Vítor a interrompeu subitamente.
— Vocês conhecem a família Nogueira? — ele falou pegando seus pais de surpresa. Os dois o encararam.
— Quem? — seu pai pousou o celular na mesa e juntou as mãos apoiando seu queixo nelas. Ele sabia de quem Vítor estava falando. Sua mãe permaneceu o encarando, o rosto sem expressão.
— A família da Brícia. A garota que foi... a garota que morreu na biblioteca da ARE — Raphael suspirou.
— Por que você quer saber? — Vítor estava prestes a argumentar quando sua mãe falou.
— Nós conhecemos eles — ela recolheu a mão que ainda estava junto a de Vítor. Parecia tensa — Frequentamos as mesmas festas. Mila, a mãe de Brícia estudou comigo — Vítor a fitou surpreso. Não sabia que seus pais os conheciam, eles não haviam falado muita coisa quando Brícia morreu.
— Não somos muito próximas — ela esclareceu — Mas por que isso importa?
— Não é importante. Só fiquei curioso — ele se apressou em dizer.
— Espero que tenha matado sua curiosidade — seu pai que havia permanecido em silêncio finalmente falou — Agora eu vou para a empresa, já estou atrasado. Quer uma carona? — ele se levantou pegando seu celular e em seguida se dirigindo a sala, mas parando para esperar a resposta do filho.
— Não, obrigado. Eu vou com o Pedro — Vítor pegou um pedaço do pão e mastigou lentamente. Sua mente girava. Como era possível que ele não se lembrasse da família de Brícia? Nunca se interessara muito pelos amigos da família, mas deveria se lembrar deles. Sua mãe tomava o café normalmente como se já tivesse esquecido as perguntas que ele lhe fizera. Vítor teve uma sensação ruim, ele sentia que algo muito maior estava acontecendo.***
A festa do clube era o último lugar onde Mali queria estar, mas aquilo fazia parte do seu plano. Fazia algumas horas que suas aulas haviam acabado, mas a festa já acontecia a bastante tempo. Era como se as pessoas não tivessem nada melhor para fazer.
Seu vestido salmão longo arrastava pelo piso branco frio que cobria todo o lugar. Era um enorme salão, talvez do tamanho do apartamento de sua família, dezenas de pessoas conversavam e bebiam enquanto uma música instrumental tocava ao fundo. Mali agradecia mentalmente o fato de o vestido ser longo e não mostrar seus pés, assim ela não era obrigada a usar um dos saltos que mais pareciam instrumentos de tortura que sua mãe havia comprado para ela, seu tênis surrado era muito mais confortável.
Sua mãe estava radiante com um vestido de cor clara que abraçava seu corpo perfeitamente, ela parecia flutuar. Mali precisava admitir que ela pertencia àquele ambiente, o modo como se movia, como falava; estava sempre rodeada de pessoas. Seu pai tinha sempre um copo com alguma bebida escura na mão enquanto conversava com algum homem, todos pareciam interessados em suas ideias, sempre se esticando para escutar melhor.
Já Mali ficava em um canto sozinha observando a todos. As vezes era bom ser invisível, era mais fácil se misturar, saber das coisas. Os garçons passavam rapidamente com bandejas lotadas de copos com diferentes formatos e líquidos. Ninguém a ofereceu nenhum. Ela segurava um pequeno salgado que havia pegado de uma das mesas espalhadas pelo salão.
— A última coleção estava impecável! — duas mulheres passaram perto de Mali — Eu sei, eu amei tudo. Quase comprei a loja toda — as duas riram. Elas usavam saltos tão altos que Mali não sabia como conseguiam se mover com tanta fluidez.
Ela já estava ficando cansada daquele lugar. Não conseguira ouvir nada sobre a família de Brícia, era como se eles não existissem, o que Mali duvidava. Ela sabia que eles costumavam frequentar os mesmos lugares que seus pais.
O salão fervilhava de pessoas, e a música havia mudado para algo mais animado, dançante, mesmo que ninguém sequer parecesse prestar atenção. Mali segurava uma pequena bolsinha onde guardava seu celular. Ela a abriu e tirou o aparelho de lá. O Boomi não era seu entretenimento preferido, mas diante daquilo, ela precisava de um pouco de distração. Antes que sequer conseguisse pensar ela já estava no perfil de Vítor. Ao contrário do que Mali imaginava ele não costumava divulgar muito sua vida, apenas algumas fotos com a família e com um garoto que ela já havia visto na ARE. O fato de não ter nenhuma foto com uma garota chamou sua atenção, ela não sabia se ele tinha uma namorada, e se fosse sincera consigo mesma admitiria que tinha receio de saber.
Mali guardou o celular novamente na bolsinha e começou a andar. Ela não descobriria nada se ficasse parada em um canto. Alguns olhares se viraram quando ela passou, mas logo voltaram a suas conversas. Ela estava chegando perto das janelas panorâmicas quando sua mãe a notou. Mali tentou fugir andando mais rápido, mas já era tarde, sua mãe foi mais rápida que ela e a agarrou pelo braço a arrastando pelo salão até suas amigas.
— Eu tenho algumas pessoas para te apresentar — seu aperto era severo e Mali não teve opção a não ser se aproximar do grupo de mulheres.
— Esta é Maria Alice minha filha — Mali revirou os olhos. Quase ninguém usava seu nome verdadeiro. As mulheres a estudaram minuciosamente, como se ela fosse um móvel que elas cogitaram a compra, mas depois decidiram que não valia a pena.
— Nossa como ela é... linda — a mais velha que tinha um cabelo laranja falou. A hesitação da mulher a fez trincar os dentes. A cada minuto ela detestava mais aquele lugar.
— Ah sim, com certeza — uma mulher loira falou. As outras duas acenaram concordando em silêncio. Mali não pôde deixar de notar o tom irônico da mulher, mas sua mãe parecia não notar nada, aceitando os "elogios" com um sorriso radiante.
— Ela está no último ano na ARE — Mali quase riu. Sua mãe dava quase nenhuma importância a sua educação, menos quando suas amigas estavam por perto.
— Não é aquele lugar onde aquela garota se matou? — uma das mulheres que tinha ficado calada anteriormente falou. Mali fechou as mãos em punhos.
— Aquela garota? O nome dela era Brícia, mas eu tenho certeza que vocês sabem já que a alguns dias atrás vocês frequentavam as mesmas festas — ela falou entre dentes — as amigas de sua mae a encararam atônitas. Sua mãe colocou uma mão em seu ombro, fazia uma certa pressão, mas nada que a machucasse.
— Nós não éramos muito próximos, querida — ela tentava contornar a situação.
— Ah é verdade, não somos exatamente do mesmo nível — a mulher do cabelo laranja falou. Antes que Mali pudesse retrucar, sua mãe falou.
— Maria Alice ficou um pouco abalada com o que aconteceu, o que é compreensivo, mas logo ela vai esquecer tudo isso — o aperto permanecia firme em seu ombro. Mali fitou as expressões condescendentes das mulheres e percebeu que era perda de tempo insistir naquela discussão.
— Eu preciso de um pouco de ar — ela disse se livrando do aperto da mãe e caminhando até as janelas. Não havia muito ar para respirar, mas observar as luzes da cidade com certeza era melhor do que se aproximar novamente daquelas mulheres.***
— Eu preciso mesmo ir? — Lia estava sentada em sua cama vasculhando o Boomi em busca de informações sobre Brícia. O grupo não havia se falado novamente desde o dia anterior, mas cada um ficara encarregado de investigar a sua maneira. As redes sociais eram seu lugar confortável, lá ela conseguia descobrir qualquer coisa.
— Eu não consigo trazer tudo sozinha — sua mãe a havia chamado para ajudá-la com as compras. Ela suspirou guardando o celular no bolso da calça.
— Tudo bem.
As duas caminharam até o supermercado mais próximo, mas ao se aproximar notaram que estava fechado.
— Está fechado. A gente pode voltar amanhã? — Lia se preparava para voltar, mas sua mãe permanecia no lugar.
— Não tem comida em casa, precisa ser hoje. Tem outro supermercado aqui perto — Lia suspirou. Não estava com nenhuma vontade de andar, queria se jogar em sua cama e vasculhar o Boomi.
— Tudo bem, vamos — mas não deixaria sua mãe sozinha.
As duas andaram por quase uma hora. O supermercado de que sua mãe falara não era assim tão perto. Quando Lia viu a fachada brilhante quase desabou no chão de alívio.
Não era muito grande, nem chegava perto dos grandes centros de compra que Lia via quando saia da ARE, mas para o que elas precisavam era perfeito.
O caixa na entrada do lugar estava vazio, ela temeu que o lugar também não estivesse funcionando, mas notou alguma movimentação nos corredores. Lia e sua mãe pegaram uma pequena cesta e entraram no corredor de grãos. Elas não tinha dinheiro para comprar produtos mais caros ou de maior qualidade, então elas focavam no essencial. Supermercados faziam Lia se lembrar de sua infância, da dor no rosto de sua mãe quando elas passavam pelo corredor de guloseimas e os olhos de Lia brilhavam, ela aprendeu desde cedo que as coisas não eram do jeito que ela desejava.
Depois que a cesta estava cheia elas voltaram ao caixa, Lia percebeu que havia uma garota lá. Porém ao se aproximarem seu coração parou. A garota do caixa era a irmã de John, ela se lembrava de seu rosto, não tinha como esquecer. Lia pensou em se esconder, fugir pelo corredor, mas antes que ela pudesse se mover a garota olhou para ela. Ela notou a centelha, o exato momento em que a garota a reconheceu. Sua mãe colocou a cesta no balcão e a garota passava cada embalagem por um leitor, seus olhos não deixavam Lia. Ela abriu a boca e Lia paralisou temendo que ela falasse algo, mas tudo que ela disse foi.
— Obrigada, volte sempre — ela falou enquanto entregava uma sacola com as compras. Lia podia jurar que aquelas palavras significavam mais.
Lia e sua mãe saíram na noite estrelada. Ela respirou profundamente, não conseguia entender o que tinha acabado de acontecer. Precisava pensar em como resolver aquilo, e precisava pensar rápido.
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Clube das onze
خيال علميUm crime. Um corpo na biblioteca. Quatro estudantes. Uma investigação. Quando os raios solares se tornam muito prejudiciais a saúde, o ser humano começa a ter uma vida mais ativa durante a noite e se isolar nos horários de sol. É nesse mundo de escu...