Capítulo 12

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     Mali sequer se lembrava de seus nomes, lembrava menos ainda do que tinha bebido.
     O final de semana após a última reunião que tivera com Vítor, Lia e John havia começado bem, ela continuava em sua pesquisa sobre a vida de Brícia. Até que ela ouvira um estrondo vindo do quarto de seus pais, por si só a situação não tinha nada de anormal já que aquele era seu costumeiro despertador nos dias de semana. Mas o silêncio que se sucedeu a deixou assustada, ela não ouviu nenhum grito como era de costume, o apartamento parecia estar vazio. Mali saiu correndo do quarto, o coração batia descompassado, ela sentia que algo havia acontecido.
     Mali derrapou na porta do quarto de seus pais, o chá estava escorregadio, ela temeu olhar para o piso, mas ao baixar os olhos notou que era apenas água. Uma grande quantidade de água vazava por baixo da porta da suíte. Tomando cuidado para não escorregar Mali andou rapidamente até a porta fechada. Ao girar a maçaneta ela notou que estava aberta e empurrando com um pouco mais de força ela entrou.
     Ela suspirou de alívio ao fitar a banheira e a ver vazia. Assim que levantou os olhos a primeira coisa que viu foi sua mãe, ela estava despenteada, a maquiagem escorria pelo rosto. Em toda a sua vida Mali nunca vira sua mãe menos do que impecável. Ela estava debruçada na pia observando enquanto a água enchia a cuba e vazava para o chão molhando suas pernas. Rapidamente ela tirou sua mãe da frente e fechou a torneira. Ela não esboçou nenhuma resistência, parecia em transe, Mali tirou a tampa da pia e deixou que a água vazasse pelo ralo.
     Ao olhar para o chão Mali notou a fonte do barulho que ouvira mais cedo, o espelho que ficava preso a parede em cima da pia estava quebrado no chão.
     — Mãe? — ela encarava seus pés descalços que estavam molhados, sequer parecia notar a presença da filha. Mali segurou suas mãos e um arrepio a percorreu quando percebeu como estavam geladas. Calmamente ela a conduziu até o quarto e fez com que ela sentasse.
     Mali vasculhou seus armários até encontrar um cobertor e a cobrir com ele. Seu coração começava a desacelerar ao notar que sua mãe estava bem, mas seu estado a preocupada. Ela não conseguia imaginar o que havia acontecido para deixa-la tão abalada.
     — O que aconteceu? — ela sentou ao lado da mãe que se aconchegava no cobertor — Aconteceu alguma coisa com o meu pai? — ela pareceu despertar quando Mali falou a última palavra. Ela notou como as mãos da mãe apertavam o tecido grosso que a cobria.
     — O que aconteceu? Onde ele está? — mesmo que sua relação com seu pai não fosse das melhores, ela não desejava nenhum mal a ele. Sua mãe a encarou, seus olhos ferviam.
     — Ele morreu para mim — ela falou entre dentes.
     — O que? Como assim? — Mali estava confusa. Ela não conseguia entender se algo realmente havia acontecido com seu pai.
     — Ele destruiu a nossa família — ela piscava rapidamente evitando que as lágrimas caíssem — Ele nos traiu — a mãe de Mali sussurrou a última parte como se não conseguisse dizer aquilo em voz alta.
     — Mãe, sobre o que você está falando? Por favor me explique — Mali tomou as mãos da sua mãe nas suas novamente e a fitou com a máxima seriedade que conseguiu. Ela conseguia imaginar sobre o que sua mãe falava, mas precisava ouvir as palavras de sua boca. Sua mãe olhou para suas mãos unidas como se tivesse vergonha do que estava prestes a dizer.
     — Ele tem uma amante.
     Após alguns minutos sua mãe se recompôs e voltou a ser a mulher que Mali conhecia. Sua roupa alinhada e maquiagem perfeita escondiam bem a bagunça que ela era apenas alguns momentos antes. Mas seus olhos demonstravam a tristeza que sentia.
     — Vou fazer compras — ela disse enquanto escolhia uma bolsa em seu closet. Mali estava boquiaberta. Ela não devia estar surpresa com a mudança de atitude de sua mãe, já que a mesma era especialista em fingir perfeição.
     Mali estava chocada com o que havia escutado de sua mãe. Sempre soube que a relação de seus pais era conturbada, mas nunca imaginou que ele fosse capaz de fazer algo como aquilo, trair sua mãe. Ela estava sentindo como se o pai tivesse a traído, doía pensar que ele havia escolhido outra pessoa ao invés dela e de sua mãe, que ele havia as abandonado.
     Mali tentou convencê-la a ficar e conversar com ela, mas sua mãe estava irredutível. Após encontrar uma bolsa perfeita pegou as chaves do seu carro e saiu sem dirigir sequer uma palavra a ela.
     Fora assim que Mali acabou parando em uma festa nos subúrbios da cidade. Assim que sua mãe saiu ela entrou no Boomi e viu o anúncio da festa, após alguns minutos de indecisão ela trocou a roupa e saiu. Mali conheceu pessoas e logo em seguida esqueceu seus nomes. Ela queria esquecer de tudo. Depois de uma grande quantidade de bebidas e alguns cigarros ela sequer se lembrava do seu nome.
     Mali não saberia dizer como, mas antes do amanhecer ela chegou em casa. Ela sabia que era sua casa porque seus pais estava na entrada do prédio inquietos andando de um lado para o outro. Alguém a empurrou para fora de um carro e ela tropeçou na calçada. Seus pais se viraram para ela e Mali viu pela segunda vez naquele dia a máscara de perfeição de sua mãe cair. Ela parecia assustada.
     A mãe de Mali caminhou rapidamente até ela e a ajudou a se levantar do chão. O mundo girava e ela tinha dificuldade em se manter de pé, as luzes faziam sua cabeça doer. Sua mãe a manteve estável a apoiando em seu próprio corpo e algo inimaginável aconteceu. Seu pai se aproximou e segurou seu braço livre. Seu toque era estranho, ela não se lembrava da última vez que seu pai havia a tocado.
     Os dois juntos a ajudaram a entrar no prédio e em seguida no elevador. Não havia ninguém no saguão, Mali agradeceu por isso, não queria platéia. O elevador pareceu demorar uma eternidade, mas enfim eles chegaram no apartamento. Seus pais a deixaram no sofá da sala. Sua mãe saiu a deixando sozinha com seu pai, ele parecia desconfortável, desviava o olhar de seu corpo para o tapete no chão. Logo sua mãe voltou com um copo de água e alguns comprimidos.
     — Você não devia dar isso a ela. Não sabemos o que ela tomou — Maria Eduarda olhou para seu marido com um olhar que dizia que a ideia de sua filha tomar substâncias duvidosas era ridícula, mas ao olhar o estado de Mali sua expressão mudou.
     — Onde você estava? O que você tomou, Maria Alice? — Mali começou a rir, ela não sabia o que era tão engraçado, mas ela precisava rir. Seus pais a olharam preocupados.
     — Acho que deveríamos chamar um médico — sua mãe sugeriu.
     — Já não basta a vergonha de resgatar nossa filha da calçada, você ainda quer espalhar a notícia? — seu pai argumentou.
     — Eu acredito que você tem outras coisas mais importantes com que se preocupar — os dois se encaravam. Mali parou de rir, de repente a situação não parecia mais engraçada.
     Ela queria pedir que eles gritassem, berrassem, quebrassem objetos. O silêncio dos dois a assustava, mas ela não conseguia dizer nada, ao invés disso Mali tentou se levantar, precisava sair dali, porém assim que conseguiu se erguer com os braços caiu novamente no sofá, ela ainda estava com tonturas.
     — Não, não se levante — sua mãe tirou os olhos de seu pai e se aproximou dela — Beba um pouco de água — ela a entregou o copo de água e com muito esforço Mali o levou a boca. Após o primeiro gole uma intensa ânsia de vômito a invadiu, mas ela conseguiu controla-la.
     Mali continuou bebendo a água em pequenos goles e a tontura começou a diminuir, ela sentia que teria um longo dia pela frente. Seus pais aguardavam silenciosamente, talvez sem saber como se comportar na primeira vez que sua única filha usara drogas. Ela começava a sentir remorso, não era sua intenção deixar seus pais preocupados, ela só queria experimentar algo novo, esquecer um pouco.
     — Acho que ela deveria deitar um pouco — seu pai se levantou da poltrona onde estivera sentado e se aproximou dela. Mali temeu que ele fosse tocá-la novamente, ela ainda não sabia como reagir a tamanha proximidade. Quando ele estendeu uma mão para ela Mali se retraiu, mesmo fora de si o olhar de decepção no rosto dele não lhe passou despercebido. Ela se levantou calmamente, quando sua mãe tentou ajuda-la ela também a dispensou.
     — Eu consigo andar sozinha.
     — Tudo bem, tudo bem. Nós ficaremos aqui, se precisar de algo nos chame. Mas lembre-se, amanhã teremos uma conversa — Mali começou a andar lentamente em direção a seu quarto.
     Ela esperava não ter que chama-los, mas suas expectativas foram frustradas pela onda de vômito que a consumiu quando seu pé tocou a soleira do quarto. Mali passou as próximas horas seguintes meio sentada meio caída no chão de seu banheiro com seu pais ao seu lado.

***

     Vítor mastigava a comida lentamente. Ele estava fazendo o possível para evitar aquela conversa.
     Seu irmão vinha tão poucas vezes em casa que para Vítor era estranho pensar que ele já morara ali. Vincent estava sentado a sua frente, sua mãe e seu pai cada um em uma ponta da mesa. Vincent e Raphael mantinham uma conversa animada sobre a empresa, a M corp era sempre o assunto mais falado entre os dois. Vítor se sentia deslocado entre os dois, e mantinha a boca cheia o máximo de tempo que podia para não ser incluído naquela reunião, mas vez ou outra ele anuia ou dava uma resposta evasiva. Apesar de tudo ele era grato por não ter sido o primogênito e herdado a presidência da empresa quando seu pai decidisse se aposentar.
     — Quando vai começar o estágio? — Vincent perguntou enquanto cortava perfeitamente um pedaço de carne. Tudo que ele fazia era perfeito. Vítor engoliu a comida que estava em sua boca.
     — Eu não se...
     — Na próxima semana — seu pai o interrompeu.
     — Que bom, tenho muita coisa para te apresentar — Vincent assumia muito bem a postura de vice presidente. Sempre fora o exemplo a ser seguido.
     Vítor sempre lidara muito bem em ser o segundo filho, mas por vezes ele queria que seu pai olhasse para ele da mesma forma que olhava para Vincent, como se seu maior sonho tivesse sido realizado através dele.
     Enquanto todos mantinham uma conversa calma, Vítor pensou em Mali. Ele admirava a forma como ela parecia ser independente, decidida, ele queria ter um pouco do espírito dela, ele precisava admitir que não se importava tanto em descobrir a verdade sobre a morte de Brícia, mas a forma como Mali tratava o assunto o fazia ávido para ajudá-la. A verdade era que Vítor ansiava por ficar cada vez mais próximo a ela, e esse sentimento o assustava.
     — Creio que até o fim deste ano — Vítor voltou a prestar atenção na conversa quando todos se concentraram nele. Teve receio de perguntar o assunto da conversa, então resolveu aguardar.
     — Com certeza. Vítor aprende rápido — seu pai disse. Ele sequer retrucou, a decisão já havia sido tomada sem o consentimento dele.
     Após o jantar Vítor se retirou para seu quarto. Ele se jogou na cama e tirou o celular do bolso abrindo o Boomi. Não se surpreendeu nenhum pouco quando o primeiro perfil que abriu foi o de Mali.

***

     A semana começou intensa na ARE. Mali ainda se recuperava do porre do fim de semana, após todo o vômito ela havia dormido durante várias horas seguidas. Sua lingua parecia ter sido raspada e seu estômago dava voltas cada vez que sentia cheiro de comida. Seus pais não haviam a incomodado, o que ela agradecia, pois ainda não sabia como lidar com as últimas notícias.
     Um burburinho começou quando Mali passava em frente ao refeitório. Um grupo de estudantes estava em uma discussão acalorada. Geralmente Mali não se importava com fofocas da comunidade escolar da Academia, mas um nome chamou sua atenção. Brícia.
     Ela se aproximou mais tentando ouvir a conversa, mas eles eram muito barulhentos, algumas vozes sobrepunham outras e o entendimento ficava difícil. Mali viu Vítor no caminho entre ela e o grupo e parou a seu lado.
     — Do que se trata? — ela perguntou indicando os alunos. Assim como vários outros estudantes ele observava o grupo. Vítor a fitou em seguida voltou seus olhos para a frente.
     — Eu não sei. Mas tem algo a ver com Brícia — ele sussurrou. Parecia frustrado em não saber o assunto da conversa.
     A cada segundo um novo aluno entrava no grupo, logo o espaço começou a se tornar pequeno e algumas pessoas acotovelavam Mali ao passar. Ela olhou ao redor procurando Lia e John, a garota ruiva estava longe de ser encontrada, mas John estava se espremendo na multidão em direção a eles.
     — Isso aqui está uma confusão — ele meneou a cabeça em direção ao inspetor que surgia próximo a eles.
     — Do que estão falando? — a expressão de John a revelou que o assunto era mesmo a garota morta.
     — Surgiram alguns rumores, você não entrou no Boomi esse fim de semana? — Mali sequer havia tocado em seu celular nos últimos dias.
     — Estão dizendo que a polícia encontrou o assassino — o coração de Mali palpitou.
     — Você acha que é verdade? — Vítor perguntou. John negou com a cabeça.
     —  A direção da ARE publicou um comunicado negando, mas algumas pessoas acham que eles estão mentindo.
     Aos poucos os inspetores conseguiram colocar ordem na multidão de alunos e os conduziram para suas salas, Mali seguiu o fluxo de estudantes. Ela não sabia o que pensar, mas sabia que mais do que nunca precisava agir.
    

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⏰ Última atualização: Sep 11, 2019 ⏰

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