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𝔼𝕦 não fui ao seu funeral, Rosely.
Simplesmente porque acredito que você não me queria lá — ou talvez eu esteja apenas me dando uma justificava para não precisar ir. Eu não conseguiria ver você assim, estática, imóvel, sem vida. Tão diferente do que você sempre foi.
Talvez eu venha lembrar desse dia como uma grande mancha escura, porque é como se não conseguisse escutar, falar, sentir ou até mesmo pensar. Quero dizer, consigo ouvir a mesma chuva de verão que tem — estranhamente — sido presente nos últimos dias, sem trégua. Também sei que a caixinha de música em formato de carrossel que você me deu ainda funciona já que a monótona e clichê melodia continua preenchendo o quarto — preenchendo a mim mesmo. Com a sua presença, aliás.
A senhorita Guinevere fez torta de maçã, descobri isso porque as paredes ultra finas que separam cada bloco deste apartamento me permitem salivar com o aroma — Lucy está fazendo muito barulho, fome e excitação.
Também sinto a espessura dos lençóis que me cobrem até a cabeça, o colchão que já cria calombos e o travesseiro que, eu juro, ainda carrega o seu perfume — ou pelo menos eu só deseje guardar comigo desesperadamente essa sua fragrância de shampoos misturados e chocolate.
Vejo-me agarrando a tudo que me remete a você — pois não consigo confiar na minha própria memória, e sei que um dia estarei velho demais para sequer lembrar.
Sim, eu sei de tudo que me certa. O apartamento não está impecável, mas continua no mesmo lugar — e posso jurar sentir suas digitais por todos os centímetros de móveis, vejo-a do banheiro ao quarto e da cozinha a lavanderia. Absolutamente tudo está impregnado com a sua presença, incluindo eu. Corpo e Alma.
É, eu tenho consciência de onde estou, que minhas costas já doem por ficar o dia todo deitado em posição fetal. E sei que minha barriga também dói, afinal, já deve fazer mais de vinte e quatro horas que não boto algo pra dentro.
Mas isso é porque eu vomitaria — não, não da mesma forma que eu a vi vomitar nos últimos vários e poucos meses — É só que me sinto cheio, cheio ao ponto de não caber mais nada, nem comida.
E ao mesmo tempo tão vazio, assim como esse quarto, repleto de livros e bagunça, mas mesmo assim vazio. Eu sei que estou aqui, e que você já não está mais. E ao mesmo tempo não sei, porque não quero saber. Não quero acreditar, não consigo acreditar.
Vejo lampejos de você entre o balançar das cortinas, tanto que quase acredito que não passa de um sonho ruim. Mas nós nunca sentimos, de fato, dor nos sonhos, e é isso que me faz ter noção da realidade.
Só é inacreditável demais uma realidade em que você não exista, não mais — É a isso que chamam de luto? O processamento da ideia de que alguém estava aqui ontem e hoje já não está?
Rosely, eu sinto frio e calor, sinto fome e sono, sinto aromas e sinto meus neurônios borbulhando. Mas ao mesmo tempo não sinto. Sinto um nada. Como se um filtro negro fosse posto por cima dos meus olhos e tudo passasse a ser nuances de tristeza e depressão. Você se foi, e junto levou todas as minhas cores.
Sua família e amigos devem estar nesse momento prostrados ao seu caixão se perguntando o porquê — talvez eu também me pergunte — e eles se lamentam por ter sido tão rápido. Mas eu sabia que não fora, porque lhe acompanhar esse ano todo só mostrou o quão lento estava sendo o processo, o quanto você se esvaia a cada dia. Deixando um pedaço seu de passeio em passeio — e ao mesmo tempo eu igualmente me vejo odiando essa rapidez, esse inesperado, esse não preparado.
Nós nunca sabemos quando será a manhã do último abrir de olhos, mas algo na vez permanente em que você os fechou me disse que já tinha essa ideia.
Eu me odeio por não saber — te odeio mais ainda por não contar.
Eles lhe levaram flores, e não consigo deixar de rir internamente por pensar o quanto isso é irônico — aí de cima você também está rindo?
Um dos motivos para não ter ido ao seu velório foi isso, seria rude aos vivos não levar flores, mas simplesmente sei que a não-viva não as aceitaria — pelo menos não de mim — E eu jamais conseguiria lhe comprar flores, principalmente para uma despedida. Sendo que estive esses meses todos me despedindo de você diariamente.
Rosely, eu não consigo entender esse marasmo dentro de mim. Porque eu rolo na cama, levanto, tomo uma água e como um pão, vou até a janela e vejo o tempo ficar ameno pelo que parece uma eternidade. Mas não faz sentido, nada faz sentido se não tiver você.
E sabe o que é pior? Eu já devia estar acostumado. Porque era exatamente assim os meus dias antes de você chegar com toda essa sua filosofia e vida.
Mas, hoje, me sinto completamente deslocado em uma rotina que já não me pertence.
E dói, dói saber que talvez seja o que me resta agora que você se foi — carregando todos os bons sentimentos.
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A doença das flores
Romance𝐒e eu nunca a tivesse conhecido não teria em meu histórico de buscas do Google tantos sites sobre essa tal doença das flores, Hanahaki Byou. E quem diria que um amor não correspondido poderia fazer nascer - literalmente - flores entre pulmões, traq...