Ponto de vista

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- Sai da frente! Deixa passar!

A maca transitou abrindo caminho entre as confusas pessoas que batiam cabeça na entrada da emergência do hospital deixando para trás um rastro de gotas vermelhas pelo chão, até conseguir sumir através das portas basculantes da área restrita.
Havia sido uma longa viagem, desde o local onde o ferro retorcido dificultara a remoção do corpo machucado, até a sala de operações onde se tentaria salvar uma vida pendurada por um fio. Algumas vezes minutos podem ser o fiel da balança entre a vida e a morte.

Os bipes eletrônicos se misturavam aos ruídos de respiradores de ar, comprimido e descomprimindo o oxigênio vital, como se a vida se escondesse dentro da máscara de um Darth Vader assustadoramente real.
O ritmo repetitivo e os traços monótonos nos monitores monocromáticos escondiam a real intensidade da frenética batalha pela vida, que ocorria ininterruptamente no organismo deitado sobre a cama.

Eu tentava me lembrar o que havia acontecido. Estava escuro, e eu senti um sono incontrolável no carro, com as imagens do lado de fora passando em flashes deformados. As luzes dos faróis me lembravam estrelas de fogos de artifício, sem as explosões sonoras usuais. O balé luminoso se concentrou em silêncio, para romper a barreira do som de uma só vez.
Foi quando a freada forte se fez seguir da explosão de metal em compressão. Acordei do sonho dentro do pesadelo.

As sirenes, as pessoas, o corpo imobilizado na maca. Eu tentava acompanhar e ver quem era, mas não conseguia. Não conseguia lembrar com quem estava. Tanta gente falando, tanta pressa. E o hospital. Os médicos em volta do corpo. Ferramentas, enfermeiros, anjos.

Eu via os anjos. Era estranho ver anjos na sala de cirurgia, como se fossem parte da equipe. Só agora me lembrei disso.

Os bipes da UTI mudaram repentinamente de ritmo, promovendo um escândalo. As linhas dos monitores enlouqueceram momentaneamente, antes de sumir por completo, transformando vales e montes em uma linha reta.
Eu corri para a cama, tentando pela última vez identificar o meu companheiro de infortúnio que partia. E vi o rosto machucado pelo forte acidente. E os olhos abertos pela última vez.

Nunca vou decidir se era loucura ou entendimento.
A terrível sensação de olhar em seus próprios olhos no momento final, e perceber toda a verdade.

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