Capítulo 1

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O som que o vento emitia ao percorrer pelas folhas verdes nas copas das árvores do sítio era similar ao barulho do oceano, mesmo estando consideravelmente longe de qualquer costa litoral possível. Era um sussurro leve e incompreensível aos ouvidos humanos, e as árvores pareciam se movimentar com o mesmo som, uma música que apenas elas conseguiam ouvir e dançar ao ritmo.

O sol da manhã penetrou por entre os espaços das folhas e galhos das copas, formando dedos de raios de sol na terra na qual estavam, deixando as suas folhas verdes mais claras, que refletiam e absorviam a luz solar.

Uma vespa amarela voou solitária, zumbindo, com suas asas transparentes batendo e sustentando o seu grande corpo, suas antenas na cabeça balançavam para cima e para baixo, analisando o ambiente ao seu redor. Ela passou por entre videiras que eram milhões de vezes maiores do que ela, com seus galhos retorcidos, enrolados, e suas folhas ásperas e verde-escuras que se movimentavam conforme o vento.

A mesma analisou pequenos brotos de cachos de uvas, ainda verdes e muito pequenos, até que conseguiu pousar em um específico, que concluiu ser bastante adequado: um grande e roxo-azulado, preso por um galho mole que parecia não aguentar o peso da fruta. Ela pousou em uma das uvas com suavidade, e analisou, com as pequenas antenas dançantes, se estava bom o suficiente para seu paladar, junto com seus enormes olhos negros da sua cabeça insetóide.

Perto dali, num cacho mais próximo, havia outro, maduro, enorme, e bem escondido por entre os galhos e folhas. Tinha um formato esquisito, como se alguém tivesse arrancado algumas unidades dos seus frutos e deixou um buraco no meio do cacho, expondo os pequenos galhos internos e castanhos da uva. No meio desse buraco, havia uma aranha solitária, branca e cinzenta, que estava por entre os galhinhos do cacho de uva, ela era bem pequena, do tamanho de uma unha do dedão, e tecendo sua teia quase transparente, que podia ser vista por causa dos reflexos da luz do sol, mesmo que o cacho de uvas estivesse numa área escura, enfiada por entre os ramos da planta.

A mesma se encolheu rapidamente e saiu disparada, escondendo-se por entre os galhos da parreira e abandonando a sua teia após a área ali perto das uvas em que estava ser levemente movimentada por um puxão que a mão de Henri deu em um outro cacho maduro.

O homem usava roupas de jardinagem que pareciam estranhamente limpas e arrumadas, e uma luva grossa de pano. Na mão esquerda, segurava um alicate de jardinagem moderno para cortar os galhos que estivessem presos aos frutos colhidos, e na direita, segurava um cacho de uva com a mão aberta, sem apertar, avaliando-a com seus olhos castanhos, procurando algum defeito no fruto. Estava bom.

Ele então desceu da escadinha de três degraus em que estava em pé e colocou o cacho de uva maduro confortavelmente dentro de um pequeno caixote de madeira clara, que estava em cima de uma mesa ali perto, debaixo do teto vivo das plantas.

As videiras ao redor de Henri cresciam enroladas numa estrutura de madeira que mais parecia com três grandes corredores a céu aberto, ou pelo menos, a estrutura de madeira deles. O cultivo ficava na frente da casa de Henri, em seu sítio, e era a primeira coisa que qualquer visitante conseguia ver de longe, ou, caso estivesse na frente de sua porta. As videiras, por serem árvores da família das trepadeiras, elas cresciam retorcidas, apoiavam-se e enrolavam-se em alguma estrutura sólida e forte o suficiente para as aguentar, e seus galhos se enrolavam envoltos cada vez mais na estrutura de madeira que Henri havia construído. Eram muitas, e com o tempo, a estrutura ficou mesmo parecendo três corredores, mas fechado com trepadeiras retorcidas, de folhas verdes escuras e ásperas ao invés de concreto e gesso. O "teto" da área de plantio de uvas era um pouco alto por causa disso: Henri já sabia que suas videiras cresceriam tanto a ponto de conseguirem fechar a parte superior, barrando grande parte da luz do sol.

VERMELHO MADURO - Vencedor do Wattys 2019Onde histórias criam vida. Descubra agora