Prólogo

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— Já estou indo, mãe! — Letícia gritou no portão de casa.

Sem resposta da mãe, ela deu de ombros, abriu o portão, e com uma rápida olhada na noite ao seu redor, saiu de casa.

Era tarde da noite, e apenas Letícia Lombardi estava na rua àquelas horas, e isso a fez sentir certo desconforto emocional. Ela usava um sobretudo felpudo marrom com uma camiseta branca e calças jeans azuis, as botas de couro sintético que continham um pequeno salto produziam ecos de passos na rua silenciosa. A noite estava escura, com muitas estrelas no céu e sem lua, com um vento frio carregando um cheiro de terra e chuva iminente, fazendo seus cabelos castanhos esvoaçarem por trás da cabeça. Ela se apertou, protegendo-se do vento e continuou pela rua noturna, iluminada pelos postes de luz amarelo-alaranjada.

Eram 22h da noite.

Letícia continuou seu caminho, pensando em seu destino: a casa de Francisco. Ela ficava a duas ruas dali, não era longe, nada demais. Para sua mãe, ela falara outra coisa, mentindo que iria dormir na casa de sua amiga Lucia; apesar de Letícia ser uma mulher de 20 anos, ainda dava satisfações à sua preocupada mãe. Não era mais como ser adolescente, obviamente, mas certas coisas nunca mudavam.

Ela chegou no final de sua rua, e tomou o caminho da esquerda, saindo em outra rua deserta, vazia até mesmo de carros estacionados, e com alguns postes sem iluminação. Letícia continuou seu caminho sem se preocupar, lembrando-se de que a cidade em que morava era uma das mais pacíficas do mundo, com seu baixíssimo índice de criminalidade e violência, sem nenhuma invasão de propriedade e nenhum homicídio, apenas mortes por causas naturais, e nada a mais. A cidade era mais confortável para idosos, que geralmente moravam sozinhos, e que, naquelas horas, estavam dormindo, sem saber que uma bela jovem andava sozinha pela rua. Uma cidade bem solitária, principalmente para aquelas horas da noite.

Andou, olhou o poste apagado e soltou um suspiro, com os ecos de seus saltos a seguindo onde quer que fosse. Os portões das casas ao redor estavam fechados, as luzes apagadas, e por um momento ela se arrependeu, pensou que devia tê-lo feito buscá-la perto de casa, mas agora já era tarde demais. Da próxima vez, quando ele se oferecesse, iria aceitar a oferta.

Logo em frente, as casas ao lado direito da rua acabavam dando espaço para um matagal de árvores, um ponto escuro e tenebrosamente macabro no cruzamento de seu caminho. Letícia olhou de longe para as árvores, escuras, parecendo formas estranhas e bizarras no fim da rua.

Chegou lá, e observou de perto a vegetação selvagem que ali havia, as formas escuras das árvores crescendo acima de si, plantas iluminadas pelas luzes amareladas dos postes de rua, e um breu ali no meio, nada convidativo, parecendo algo... assustador, no meio da noite escura. Não havia lua, e as árvores emergiam da escuridão, pareciam tocar o céu noturno e estrelado. Um vento chicoteou seu rosto, levantou seus cabelos... e fez um certo frio percorrer sua espinha e pescoço. Ela sentiu aquilo com um arrepio de espasmo. Que estranho, refletiu mentalmente. Letícia então pensou que estava sendo boba, sorriu para si mesma, e se lembrou de que estava numa cidade de zé ninguém, com menos de quinhentos habitantes, ou seja, sem ladrões, maníacos ou estupradores á espreita de uma mulher sozinha.

Sozinha...

Letícia virou a rua á esquerda, e olhou para o caminho que deveria seguir em frente. A rua seguia reta, com uma entrada para a direita e outra para a esquerda logo adiante. Ela continuou caminhando, com um certo arrepio estranho e gelado no pescoço. Sair à noite sozinha é, de certo modo, assustador, mesmo estando em um local seguro. Ela continuou o caminho, olhando os portões das casas, as janelas fechadas e com luzes apagadas. Todos dormiam aquelas hora da noite... isso a fez sentir-se extremamente solitária na rua.

VERMELHO MADURO - Vencedor do Wattys 2019Onde histórias criam vida. Descubra agora