•Terra que Sangra•

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[Tema: Corrupção]

O silêncio retumbava na virgem mata. Nada se ouvia além do afinado e desordenado canto dos pássaros, o rastejo da jararaca pelas folhas secas, e o som dos galhos se partindo a cada passo dado.

Os olhos do menino, tão ágeis como o de uma águia, acompanha o movimento da silhueta de um grande animal. Sem perder sua presa de vista, ele aperta os olhos formando uma linha fina, prende a respiração, segura firmemente seu arco e puxa lentamente a flecha para trás. Em milésimos de segundo ele solta a corda, lançando o objeto pontiagudo na direção da pequena capivara; essa, sem demasiado esforço, se esquiva do ataque.

Kauã finalmente solta o ar, jogando seu arco no chão frustrado. O jovem tupi não consegue entender o porquê de não conseguir caçar com maestria igual aos outros. Desde cedo, os índios são doutrinados para a caça e pesca, mas o garoto de 15 anos não se sai muito bem em nenhuma dessas funções, o que às vezes o faz ser motivo de chacota pela tribo.

O jovem pega seu arco, pendura no ombro e sai caminhando por entre as árvores em direção a praia. Ele caminha cabisbaixo, enquanto a areia macia acaricia seus pés.

Quando chega a um certo ponto, o que Kauã avista o deixa estático. Um homem alto, de barbas e cabelos longos, que usa uma quantidade exagerada de roupas, olha o horizonte. A pele cor de papel está coberta por tecidos grossos e totalmente inadequados para o clima. Aquela imagem assustou o garoto que, em contrapartida tinha o corpo pardo e totalmente nu.

Ele instantaneamente se curva e começa a sussurrar preces, crendo que aquele ser tão distinto fosse algum tipo de deus. Todos na sua tribo eram tingidos de tintas, pele bronzeada e cabelos lisos e negros. Nada tão extravagante ou superior, já fora visto por aquelas terras como a figura que agora ele encarava.

O homem percebe a movimentação próximo a uma grande pedra e caminha na direção do garoto, que está ajoelhado na areia. Ele se curva um pouco e tenta conversar com o menino.

- Olá, me chamo Manuel, e como tu chamas? - O visitante português tenta uma saudação amigável. Ele já tinha ouvido falar do quanto nativo como aquele poderia ser agressivo.

Em resposta, veio o silêncio. Kauã encarava o velho com a testa franzida, não entendendo nenhuma palavra que saia da boca do homem que, por sua vez, captou logo a distinção de idiomas pela expressão do jovem.

- Sua casa, onde estais a morar? - Ele junta as mãos no formato de casa e com gestos, caras e bocas tenta se comunicar.

Entendendo o que ele quis dizer, o índio aponta para tudo que está ao redor, mostrando para ele, que a natureza era sua casa.

Aquilo de certa forma assustou o explorador. Como um menino de porte mediano, poderia sobreviver na selva? Como ele comia? Onde dormia? Será que haviam mais como ele? Todas aquelas perguntas despertaram a curiosidade de Manuel, que já estava ali com segundas intenções.

O português tira do bolso de seu casaco um espelho, todo dourado, e oferece a Kauã, que titubeia antes de aceitá-lo. O homem se aproxima mais um pouco, diminuindo assim a distância entre os dois, mesmo com medo de um ataque inesperado. Segura a mão do pequeno e faz com que ele enxergue seu reflexo.

No momento em que Kauã vê sua imagem refletida no espelho ele olha para o homem incrédulo, se revezando entre olhar para o pequeno objeto e para os olhos de Manuel, repetidas vezes. Agarra em seu braço e o puxa em direção ao mar. O português se assusta com o ato, endurecendo o corpo momentaneamente, mas acaba decidindo seguir o garoto. Eles chegam na beira da água, e o índio aponta para o espelho e depois aponta para o mar.

O português compreende o gesto, e curva a cabeça para baixo, olhando fixamente para o mar, que quebra em seus pés, a cada vai e vem das ondas. O rosto branco do homem reflete bem discretamente na água, e ele consegue compreender o que o índio tentava lhe mostrar.

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