A Mais Escura das Noites ou O Cemitério em Versos

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Nunca houve noite mais escura que aquela

Nem mesmo no pior de meus pesadelos

Às vezes, ainda sonho com ela

E isto eriça, por completo, meu pêlos

Caminhava eu, pela estrada, só

E não havia nada, a não ser a lua

Luz cintilante, trevas, pó

Ó terrível, solitária rua

Encontrei-me, então, diante de algo horrível

Maldito ser de olhos do inferno

Coisa medonha, indescritível

Fez minha alma gelar, tal qual ao inverno

Corri feito louco, da vil criatura

Chegando a um portão, belo, dourado

Galgando os muros, gritei com bravura

Afaste-se logo demônio danado

Por fim parei, exausto que estava

Respirei fundo, procurando por ar

O monstro maldito, não mais espreitava

E pude enfim olhar o lugar

Igreja não era, com toda certeza

Olhei ao redor tranquilo e sério

E qual não foi a minha surpresa

Ao saber que estava num cemitério?

Nunca ali havia ido

De forma que não o conhecia

E não creio que jamais tenha havido

Lugar feito com tão bela maestria

A casa dos mortos, descanso final

Lugar para os vivos lá não havia

O silêncio soava frio e mortal

E a morte em pessoa, contente, sorria

Caminhei lentamente, buscando a saída

Mas portão não achei, naquele lugar

Morte em excesso, falta de vida

Lá eu não poderia ficar

E o vento soprava, forte e gelado

De forma que eu não pude aguentar

Com medo estava, muito assustado

Ó vontade tremenda, comecei a chorar

Parei então diante de um som

Jamais ouvira algo assim

Triste lamento, fora de tom

Proferido sem dúvida antes do fim

E o autor do ruído, vivo não estava

Pálido, gélido, face sem vida

Com olhos sem brilho me encarava

Criança maldita, há muito esquecida

Andou até mim, braços erguidos

Boca sem dentes, mão descarnada

Olhos do cão, tristes, sofridos

Pernas de rã, pele enrugada

Corri sem pensar, da criança maldita

            Sem olhar para trás na noite escura

Passei por Gertrudes, por Helena, por Rita

Lápides podres, expelindo loucura

O som de meus passos no ar ecoava

E a noite cruel insistia em falar

O vento gélido em mim transpassava

Trazendo vozes de outro lugar

Às portas do inferno, enfim, me encontrei

E a criança danada chegava tão perto

Ao mundo vazio, surtando gritei

Mas não havia ouvinte naquele deserto

Os olhos, fechei, esperando meu fim

Que viria na forma do mal em pessoa

Longo tempo eu fiquei, parado assim

E começou a cair, fina garoa

Os olhos, abri, esperando encontrar

O mal em pessoa que me afligia

Não havia mais nada naquele lugar

Havia acabado a minha agonia

Sonho não foi, tenho certeza

Pois tenho na pele as marcas de lá

Em meu coração, pra sempre acesa

A face do monstro, gravada está

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