— O senhor está bem acomodado? Precisa de mais alguma coisa? — O Sr. Byrne perguntou, sorrindo enquanto eu me sentava na cadeira confortável disposta no centro da pousada, juntamente a uma mesa na altura perfeita para meu notebook. Sorri em retorno, negando e agradecendo sua presteza.
O sol, que apenas há algumas horas estava a pino, já não estava insuportavelmente quente e eu pude me instalar bem sob a sombra de uma árvore. Depois de digerir o almoço lendo um pouco, a quietude e pacatez do interior começaram a me deixar inquieto; eu sentia falta de fazer algo.
Decidi, é claro, escrever um pouco. Não estava exatamente disposto a caminhar por aí e esbarrar logo de cara em Lora, ainda mais sabendo que ela estava tão próxima agora. Eu sabia que era uma fuga; que eu podia simplesmente levantar do almoço, dizer "já venho" e encontrá-la para resolver tudo de uma vez por todas. Obviamente isso não aconteceria, e se eu parasse para pensar muito, perceberia o quão covarde eu era. Enquanto dizia que estava tudo bem e que eu apenas chegara, que ainda teria muito tempo para isso, instalei-me em meu refúgio na pousada e passei a, mais uma vez, ignorar a existência de Lora, afogando-me em meu trabalho para distrair minha mente.
Abri meu caderno de rascunhos, completamente desorganizado, e pensei no que poderia fazer tirando dali. Mesmo que eu não tivesse nenhum contrato novo, ou um prazo, era impossível parar de escrever. Aquele caderno era a prova disso, repleto de palavras desconexas soltas, conectadas, emboloradas, que algum dia poderiam vir a ser uma nova história por completo. Folheei-o, buscando inspiração e motivo para minha fuga ser justificada.
As últimas folhas eram, de alguma forma, as mais especiais. Era onde eu anotava ideias de títulos e palavras com significados curiosos que poucas pessoas conheciam. Eu pessoalmente gostava daquelas que nomeavam sentimentos que estamos acostumados a ter e nunca achávamos que havia um nome para eles. É estranha essa necessidade do ser humano de nomear tudo, ao invés de simplesmente sentir; a sensação vai existir, você a tendo nomeado ou não. Ainda assim, alguém em algum lugar do mundo se dedicava a achar uma ou outra palavra para esses sentimentos confusos e ridiculamente específicos, e, por isso, eu gostava dos nomes complicados que faziam Percy reclamar.
Algum conjunto de atitudes e sentimentos é chamado de "amor", outro conjunto é "tristeza", e outro, ainda, "alegria". E o medo de nomear algo e fazer esse algo perder sua essência misteriosa é chamado de "aimonimia", título do meu primeiro livro. Essa questão da nomeação foi justamente o que me inspirou a escrever a história que acabou me rendendo destaque como autor. Ao descobrir-se o nome de alguma coisa, o acaso torna-se um conceito vazio, e é como se essa coisa fosse estragada ao ter seu nome revelado. Por isso, algumas pessoas receiam descobrir o nome de um pássaro, de uma flor, de uma pessoa, e prendem-se apenas à existência da coisa por si só – ou pelo sentimento trazido por ela.
Meus olhos depararam-se com "Kairosclerosis" anotado em minha letra um tanto garranchosa, com três exclamações do lado. Suspirei, refletindo sobre aquela palavra e toda a história que tentara nascer dela. Kairosclerosis era sobre a percepção de que se é feliz e estar conscientemente tentando aproveitar esse momento de realização, o que acaba fazendo com que se disseque a essência dessa felicidade, separe-a e a coloque em um contexto, de forma que essa felicidade se dissolve e desaparece, sobrando apenas um gosto amargo na boca. Martín e Nynn, meus personagens, encontravam-se frequentemente nesse jogo de autodestruição: ao perceberem que estavam felizes, tentavam desesperadamente apreciar aquela felicidade, saboreá-la, separar seus pequenos detalhes para guardar em potes de areia que se dissolveriam ao menor toque de uma onda do mar. Tudo que tentavam preservar era arrastado para as profundezas, deixando-os vazios, deixando-os com o desejo de retomar aquela felicidade que compartilharam e que lhes fora tão preciosa naquele momento.
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II - Onde Eu Quero Estar |hiatus|
Storie d'amore[Parte II de "Quem Eu Quero Encontrar"] Vincent Woodham é um aclamado escritor de 28 anos. Ante a publicação do seu quarto romance, ele não deveria ter muitas preocupações. Superara a dificuldade em escrever um livro sob certas condições, mantivera...