Não havia sequer uma estrela no céu aquela noite. A escuridão preenchia cada pedaço daquele mundo sempre claro e brilhante. Os corredores do Castelo Azul estavam desertos e silenciosos conforme eu corria, o som de meus passos parecia estar sendo absorvido por toda aquela escuridão, que para piorar ficava cada vez mais intensa, tão densa que quase podia ser tocada.
"Tenebris! "
Identifiquei imediatamente o ser que vagava entre as sombras, porém não era a Tenebris que estava acostumado a ver sempre por aqui em companhia de Nibbis. Aumentei a velocidade para chegar logo ao quarto de minha irmã, que havia deixado o salão de jantar sem dar nenhuma explicação, ela estava com a pele mais pálida do que o comum e seu brilho havia diminuído drasticamente durante aquele tedioso jantar com a corte do Oitavo Céu.
Em toda minha vida, nunca havia ficado tão nervoso antes com o nascimento de um filho, pois sabia que era tudo sempre muito bem organizado e não haviam riscos. O nascimento de um Vernum na família real, era algo muito raro e celebrado, ainda mais quando se tratava de mim. Eu era o príncipe mais velho o favorito da rainha, e dentre todas as minhas esposas, de casamentos arranjados que eu nunca fiz questão de mostrar interesse verdadeiro, mas cumpria com meus deveres para evitar brigas desnecessárias, nunca escondi que minha favorita era minha gêmea, Nibbis.
Nós havíamos nos casado quase um século atrás, Nibbis não me amava da mesma forma, eu sempre soube, mas ela havia aceitado seu dever sem questionar a rainha e embora não me amasse, ela parecia sempre feliz e nunca me recusava, não até descobrir a segunda gravidez. Esse seria nosso segundo, pois já tínhamos um filho em idade adulta, Yoru, que havia se tornado o melhor guerreiro Vernum dos Oito Céus, graças a união dos irmãos da tempestade, Nibbis e eu.
As Vernuns fêmeas podiam prever o dia e a hora dos nascimentos de seus bebês, e assim, elas avisavam as sacerdotisas Ventus, para que acompanhassem o nascimento, e colocassem o selo sobre o bebê assim que este viesse ao mundo, pois se não, a descarga de seus poderes, poderia destruir toda uma cidade, ainda mais tratando-se de nossos filhos, pois nós os gêmeos Asterath, éramos os Tormentadores mais fortes do Oitavo Céu.Senti a escuridão se mover em direção ao quarto de Nibbis, então, um frio subiu por minha espinha e tive que conter uma explosão de meus raios quando ouvi os gritos abafados vindos do quarto. Quase derrubei a porta ao entrar no aposento que parecia um breu até usar uma faísca de meu poder para poder enxergar lá dentro. Com terror, não sabia o que ver primeiro: o sangue cor de chumbo que manchava os lençóis da cama de Nibbis, as sombras agitando-se nos cantos mais escuros que não pertenciam a dama de companhia de Nibbis e que estava fora do alcance dos raios, ou o rastro do sangue que ia em direção ao quarto de banho.
Segui a trilha com os joelhos vacilando a cada passo, sentindo o coração falhar a cada batida, meus olhos como metal derretido, agora cintilavam como os olhos de uma fera enquanto me se forçava a manter a calma. Ao tocar a madeira fria, empurrei a porta semiaberta do quarto de banho e quase desabei ao ver Nibbis dentro da banheira, que trasbordava água e sangue, ela tinha uma criança nos braços que havia acabado de nascer, a menininha se mexia no colo dela, com pequenas faíscas prateadas circulando seu pequeno corpo. Encarei Nibbis horrorizado e cobri a boca para evitar colocar o jantar para fora com o pânico que fez meu interior se retorcer.
― Porque mentiu? ― Quis saber, dando um passo para longe da banheira, esperando o que sabia que viria depois daquilo, um nascimento sem um lacre. Nibbis deu-me um sorriso cheio de orgulho e dor, as lágrimas manchando seu belo rosto, os olhos cinzentos e opacos fixos nos meus, algo estava muito errado naqueles olhos, pois não eram os olhos de Nibbis, os seus olhos eram negros como a noite sem estrelas.
― O Oitavo Céu vai cair agora, Galathis! E junto com ele vai levar exército que Mendal criou! Nunca mais seremos uma ameaça para nada, nem ninguém! ― Ela apertou a criança nos braços, não levaria mais que uma batida de um coração, sem o selo, a criança não teria como conter a Fúria dos Céus e derramaria seu poder sobre tudo. Nibbis chorou abraçando a criança que havia começado a brilhar com tanta intensidade que não foi mais possível para mim enxergá-las, não haveria tempo de tentar salvar nada, nem ninguém, então tudo que pude fazer, foi abraçar minha amada e dizer adeus.
― Desculpe, Yami, por te deixar partir! ― A voz de Nibbis, as últimas palavras que foram para a nossa menina, não passaram de um sussurro quando seu choro, os trovões e relâmpagos irromperam da criança em seus braços, destruindo as paredes, derrubando o castelo, se espalhando por todos os lados e consumindo cada pedaço do Oitavo Céu.
YOU ARE READING
A canção dos nove céus - degustação
ФэнтезиApenas um dos galhos da árvore dos doze, crias das tempestades, eles são luz e escuridão. Luyen vivia uma vida tranquila na floresta de Peregris, isolada de outros humanos, mas sempre acreditou que isso fosse por causa da profissão dos pais: um lenh...