Capítulo 2 - Abaixo dos céus

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Nunca havia visto o céu tão negro em toda minha vida. Estava voltando para a cidade com a carroça carregada de lenha quando o mundo começou a desabar, literalmente. Procurei por proteção embaixo de um dos arcos de pedras, que marcavam a entrada da Cidade dos Sinos e observei o céu. Os raios e trovões eram cada vez mais frequentes, raios que riscavam os céus de fora a fora e abafavam qualquer outro som com suas explosões brilhantes.

Alguns minutos depois, a chuva caía mais intensa e os raios aumentavam, até que muito próximo a mim, desabou um bloco de algo que parecia ser um grande pedaço retorcido de aço e vidro. Cinco passos, era a distância entre mim e aquele bloco. Forcei meus olhos em choque a olharem para cima a tempo de ver bem alto no céu, quase no meio da floresta uma cidade inteira caindo das nuvens, desmanchando-se enquanto os raios a atingiam e esfarelavam blocos ainda maiores do que o que caiu perto de mim. Uma chuva de escombros, vidros e água.

Pensei imediatamente em fugir, mas uma massa negra rodopiante se soltou dos escombros e veio em minha direção e fiquei paralisado, sem saber o que fazer até que a massa se chocou contra meu peito, derrubando-me no chão.

Quando a massa se desfez algo ainda estava sobre mim e embrulhado em um manto negro, havia um bebê. Olhei daquela pequena criança que mal havia aberto os olhos pela primeira vez para a cidade ainda caindo do céu. A massa havia vindo daquela cidade, e a criança em meu peito era pequena e tinha a pele pálida, tão branca quanto à lua e muito brilhante que mal destacavam os ralos cabelos quase prateados em sua cabeça, mas foi perdendo o brilho aos poucos, até ficar levemente cintilante.

― Uma Vernum? ― Peguei a criança com cuidado, afastando-a de meu corpo, com medo de que ela pudesse ser uma Tormentadora e me matar caso liberasse seus raios, mas o bebê apenas bocejou e continuou adormecido.

"Yami"

Soou uma voz do além próxima a mim, uma voz vinda do escuro.


― Não parece um bom nome! ― Retruquei, começando a sentir como se tivesse ficado louco. ― Você veio do céu e brilha... Luyen! Esse é um bom nome! ― Realmente estava enlouquecendo por pegar uma criança Vernum e cogitar levá-la para casa. Porém, ninguém nasce para morrer sozinho, numa floresta fria e numa noite chuvosa, nem mesmo um dos seres que mais causam a destruição em nosso mundo!

Não tinha certeza se era sorte ou azar, mas eu tinha comigo talvez a única fêmea Tormentadora sobrevivente daquela destruição. Olhei para a criança em meu colo, embrulhada naquele manto negro espesso, provavelmente o motivo de eu ainda não ter recebido uma descarga elétrica. Ela se mexia inquieta, irritada com o calor da terra, uma vez que os céus eram sempre frios, pelo que diziam.

Eu nunca havia pisado sequer próximo aos portais de passagem, não me atreveria a chegar lá, pois mesmo em trégua, me lembrava das antigas histórias e sabia muito bem o que os Vernuns podiam fazer com intrusos.

Pensei em soltar o cavalo da carroça e cavalgar com aquela criança até um dos portais, entregá-la para os guardas e deixar que eles cuidassem dela, mas toda vez que olhava para ela, desistia da ideia, embora tivesse certeza de que Nalla iria me matar quando chegasse em casa com uma criança Vernum.

Caminhei pela estrada escorregadia de pedras e lama naquela escuridão assustadora, carregando aquela criança com o máximo de cuidado e prestando atenção na floresta ao meu redor, para não correr o risco de ser surpreendido por criaturas selvagens.

Entrei na pequena vila pouco antes da uma da manhã, escondendo a criança quase brilhante o melhor que pude das vistas dos homens que saiam bêbados das tavernas para observar o céu. As nuvens escuras e pesadas rolavam sobre nossas cabeças, algumas vezes mostrando as ruínas do Oitavo Céu, os pedaços que ainda flutuavam sobre uma plataforma translúcida acima de nós, manchada de sangue prateado e forrada com destroços, uma cena assustadora de completa devastação. Olhei novamente para a criança em meu colo, como ela havia sobrevivido aquilo?

A canção dos nove céus - degustaçãoWhere stories live. Discover now