Capítulo 6 - Raios e escuridão

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Luyen:

No sábado de manhã, acordei irritada.

Minha garganta ainda estava ardendo depois de ter vomitado novamente na madrugada anterior. Caminhei até a cozinha arrastando os pés, ainda sem enxergar nada em seus devidos lugares. Por ficar sempre acordando de madrugada, eu dormia mal, e acordava pior do que quando fui dormir. Sombras cinzentas estavam quase parecendo tatuagens sob meus olhos, quase dois anos sem dormir direito...

Quase dois anos sem voltar a usar a aparência "humana", mas era melhor assim, pois evitava que eu machucasse meus pais, que agora sabia que não eram realmente meus pais, mas ainda assim os amava. Desde o acidente com Chris, não deixava eles se aproximarem muito, evitava abraços, na verdade, evitava qualquer contato físico.

Me movi para a cozinha lentamente e fui até a mesa, meus pais haviam saído para fazer as entregas na cidade, havia uma garrafa de leite fresco em cima da mesa, junto com frutas e pão recém assado, ainda dava para sentir o cheiro na cozinha e o forno à lenha estava morno.

Peguei alguns cortes de lenha, acendi o fogão e coloquei leite para esquentar enquanto fazia um chá. Atravessei a sala espreguiçando-me a caminho do banheiro, queria verificar o quão terrível estava minha aparência essa manhã.

Olhei no espelho acima da pia e não estava tão mal, as sombras continuavam sob meus olhos, meus cabelos cinzentos ondulados estavam um caos total e minha pele tinha um leve brilho.

Havia acordado todos os dias nos últimos dois anos e visto o mesmo rosto no espelho, meu rosto, igual ao que era antes, porém, diferente. Não só pela cor que havia mudado, pelos olhos castanhos que agora eram prateados, mas pela pessoa que eu via ali. Não era mais eu, não sabia dizer o que realmente havia mudado em mim, talvez tudo, talvez nada. Talvez fosse apenas a forma que eu enxergava o mundo agora, mas a cada dia que eu olhava para o espelho, eu tinha cada vez mais certeza de que estava no lugar errado, e que estava chegando a hora de partir.

Amarrei os cabelos num coque apertado e fui para a cozinha tomar café e aquecer água para tomar um banho, porém, quando fui colocar mais lenha no fogão, só haviam alguns tocos. Nalla devia ter usado o restante da lenha cortada para assar os pães de manhã. Logo depois de terminar meu desjejum, troquei a camisola por uma calça cinza macia e uma camiseta preta com botões de bambu, coloquei as botas de couro já gastas até o joelho, peguei o machado de meu pai que estava apoiado atrás da porta da cozinha e fui em direção a floresta cortar lenha.

Estava caminhando sem um local específico para ir, apenas olhando os raios coloridos de sol que passavam pelas folhas e galhos das árvores, iluminando o chão da floresta coberto com as folhas do outono. Em poucos minutos andando distraída com o machado sobre o ombro, cheguei sem querer a margem do lago.

Senti como se água gelada corresse por minhas veias e me vi paralisada, olhando para o lago. Tentei com o máximo de esforço não virar o rosto para a esquerda, só ficava repetindo em minha mente "É só se virar e ir embora! " Mas eu nunca mais voltei ao lago depois do que houve com Chris, e antes, esse era um caminho que eu fazia todos os dias no meio da tarde. Agora, eu só queria ir embora dali, mas não conseguia me mover.

Fiquei parada próxima à margem do lago, com os olhos fixos na água, com medo de olhar para o lado, ver a pedra na margem do lago e me obrigar a aceitar o que havia feito, implorei aos deuses lunares que me dessem força para me virar e correr, mas se eles realmente se importassem comigo, não teriam deixado eu transformar alguém que amava em cinzas. O pensamento sobre coisas aleatórias dos Céus me acalmou por um instante, porém, algo chamou minha atenção vindo do meio da floresta: Passos. Fui obrigada a olhar em volta e procurar pelos donos daqueles passos, como meus sentidos haviam mudado ao me transformar, os donos daqueles passos podiam estar longe ainda.

A canção dos nove céus - degustaçãoWhere stories live. Discover now