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"A principal e maior punição para quem cometeu uma culpa está em sentir-se culpado." Sêneca

Tessa

A dor aguda na cabeça me atordoou por uns segundos e, quando percebi, já havia me desequilibrado. Perdi o controle da bicicleta e caí, colidindo com violência contra o chão de terra batida. Ai, droga!

Outra dor lancinante me pegou de jeito, no pé direito agora. E, antes que eu pudesse empurrar a bicicleta para longe de mim, houve um baque surdo; um vulto surgiu a minha frente parecendo ter caído, ou saltado do céu, sei lá.

Arfei levando uma mão ao peito, morta de susto.

— Machucou? — perguntou o vulto, ou melhor, um homem, enquanto se aproximava.

Meu Deus, esse homem, pensei e, como se não bastasse o sobressalto, senti o corpo gelar enquanto o reconhecia. Uma descarga de adrenalina ainda maior diluiu meu sangue, que fugiu do rosto e esfriou meus membros um a um. Tinha conhecido aquele homem na casa de uma amiga, a Aline, era o dono daquela pulseira de coco que eu... — Limpei a garganta como que para impedir uma confissão.

Ele me reconheceria quando realmente me olhasse no rosto? — esse pensamento atuou como uma cortina de fumaça ante meus olhos, o medo tingindo de preto a minha visão e encobrindo toda aquela bobagem de raio de sol entrando pela janela.

Quando dei por mim, o homem afastava a bicicleta e se agachava a minha frente. Olhou em meus olhos, ergueu as sobrancelhas, e, com a visão restabelecida, vi o reconhecimento em seu rosto bonito. Ele se lembrava de mim.

Recuei mentalmente esperando as acusações, apoiada às mãos machucadas, mas não ouvi nada referente àquele dia, nem à pulseira que ele tinha esquecido sobre o sofá da minha amiga. Em vez disso, segurou minha cabeça com as duas mãos, o olhar assumindo um brilho de consternação, preocupado.

— Sinto muito, eu... — pediu observando o ferimento em minha testa. — Eu estava distraído... — continuou, e o manto suave da desopressão resvalou tão rápido sobre mim que me descompensou de novo.

Ele estava se desculpando? Por quê?

Os pensamentos angustiantes deram lugar à confusão e a uma euforia que não cabia em mim. O choque causado por tantas emoções distintas se desdobrou em um choro profuso. Sim, eu comecei a chorar feito uma bezerra desmamada, droga. De alívio, porque ele não havia me cobrado nada, não tinha mencionado aquilo que eu havia feito, o que eu tinha "pegado". Mas claro que não, Tessa, como ele poderia saber?

Deus, bastou vê-lo e quase fui tragada pelo medo de que descobrissem meus pecados.

— Não, não chora — pediu com delicadeza, uma nota de desespero tocando sua voz. — Está doendo muito? Machucou em mais algum lugar? — Desceu o olhar e me tocou nos ombros, procurando ferimentos.

De repente eu estava muito ciente das mãos fortes que passeavam sobre a minha pele e fiquei estática, impactada pelas sensações que o atrito suave me causava. Seus olhos também percorriam meu corpo, buscando lesões.

— Está me ouvindo? — falou chamando a minha atenção e eu desviei o olhar, o rosto em brasas.

— Nã-não — gaguejei enxugando as bochechas. — Quer dizer, estou bem. — Levei a mão à testa, contradizendo minhas próprias palavras.

— Tem certeza? — Ele parecia duvidar. — Acho melhor...

— Tenho — interrompi olhando para o pé e começando a me erguer. — Foi só um susto. — Gemi de dor ao tentar firmar o calcanhar no chão e instintivamente me apoiei com as duas mãos sobre o homem que me acudia.

O que ela roubou de mim (antigo Roubou a Noite) - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora