Toni

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     Ainda não me acostumei com a ideia de que tenho fibrose cística. Que doença mais babaca! Ainda tenho que ficar nesse hospital insuportável todo dia até essa crise passar. Mas eu já vi que não estou sozinha, porque acabou de passar uma garota por mim que, provavelmente, tem a mesma coisa fatal que eu. Ela estava usando uma máscara cheia de mini cerejas e estava com uma mochila pendurada nos ombros que cabia três de mim. Oxigênio portátil!
     Vejo a garota seguir por um corredor aberto que dá ao outro prédio do hospital e não hesito em segui-la. Quando atravesso a porta, me deparo com o jardim que o hospital tem, cheio de flores e plantas de várias espécies. Me distraio o suficiente para a menina se afastar de mim.
     Fico nessa de acompanhar a ruivinha até ela parar em frente a UTI Neonatal. Será que ela tinha algum parente que estava ali? Irmão, primo ou até... filho? É meio difícil ter filhos quando se tem FC.
     Encosto no vidro que nos separa dos bebês, à seis passos de distância, como Carla me falou que eu tenho que fazer com qualquer outro indivíduo que tenha fibrose. Ela me olha de lado com cara de desprezo.
     - É meio estranho ver uma adolescente com uma máscara cheia de cerejas.
     Ela não ousa em falar.
     - Prefiro, mil vezes, máscaras com várias cobras desenhadas. - se ela não tivesse revirado os olhos, diria até que ela não me ouviu - Já sei! Eu sou tão linda que você até perdeu a voz.
     - Ah, garota! Me erra!
     - Ora, ora! Quer dizer que você tem língua! Deixe-me apresentar...
     - Você é uma garota rebelde que não gosta de seguir regras, justamente pra parecer maneira e por isso está arriscando sua vida, conversando comigo sem máscara. Estou certa? - ela me interrompe.
     - Eu não ia dizer isso... mas você não está errada!
     - E você acha isso fofo? - ela pergunta, finalmente, olhando pra mim.
     - Quero saber se você acha isso fofo?
     Ela revira os olhos, novamente. Aquilo a deixava irritada e eu adorava.
     - Cheryl! Estava te procurando feito louca.
     O nome dela era Cheryl.
     - Eu avisei à Julie que ia sair, Carla!
     A enfermeira olha pra mim com sangue nos olhos:
     - O quê você está fazendo aqui também, Toni? E sem máscara?
     - Eu... esqueci minha máscara.
     - Ah, legal. Cheryl, vai para o quarto. Tá na hora do remédio. Toni, vai para o seu também, mas você eu acompanho.
     Faço sinal de rendição e sigo Carla pelo caminho de volta ao meu quarto, enquanto Cheryl volta pelo caminho contrário.
     Eu ando pelo hospital inteiro lembrando dos olhos castanhos da garota encarando os meus e seu cabelo ruivo brilhando junto da luz do Sol.

A Cinco Passos de Você | ChoniOnde histórias criam vida. Descubra agora