Ela tinha 34 anos. Uma casa com 12 quartos e lustres de cristal. 54 empregados a seu serviço honesto e toda a rua a seu serviço desonesto. Ela era a rainha do Beco, a Rainha das Flores, mas na sociedade era tão importante quanto o Grande Governador.
Sua companhia, as flores silvestres amarelas, roxas, rosas e azuis, era especializada nas chamadas pelas ruas de drogas branquelas, assim como tem a seu comando guildas de assassinos, ladrões, mercenários e alguns caça-recompensas. A rainha do mercado negro, de fato. Um negócio que começou no finado Uruguai e se espalhou por toda América Latina, até que, quando a Federação assumiu, eles dominaram o Norte também.
Não é um negócio honesto, por mais que seja dona da maior empresa de transporte urbano da Federação também, a maioria de seu dinheiro sempre veio da parte suja. Todo mundo fingia não ver, antes da Federação era fácil desviar a atenção dos governos corruptos com quem os Flores faziam negócios, agora, eles são grandes demais para cair. Nem mesmo a Patrulha ousa destratar um Flores, eles moldam a lei.
E há quem diga ainda que a Federação é republicana, e que os governos antes dela eram democratas. Existem sempre fios invisíveis na política, não a burra mão invisível do Estado na economia, nada disso, mas a mão invisível das pessoas no Estado. As pessoas que realmente importam estão lá, escondidas, se remexendo no escuro, suas ideias rastejando e crescendo, mesmo que de primeira nomes não sejam vistos.
Dizem que foi assim que os Flores cresceram, primeiramente sem nome, apenas um símbolo de um conjunto de flores silvestres nos pacotes de seus produtos, então, quando tinham influência, contatos e poder, o nome foi revelado. A coroa foi conquistada.
Mas essa não é a história principal aqui, deixe os detalhes políticos para depois, se concentre na rainha atual, Atina Flores, e sua morte.
Quando ela primeiro conheceu Ricardo Fernandez ela estava bêbada. A companhia havia acabado de fechar o maior negócio desde que Atina assumira o comando, 5 anos atrás, eram toneladas de branquelas para serem exportadas para o outro lado do mar, num dos únicos navios estrangeiros que a Federação havia permitido atracar no principal porto do leste. Ela estava comemorando na própria estalagem d'O Beco, quando um estranho teve a audácia de perguntar "Você vem sempre aqui?". Dizem que ela riu tanto que derramou a bebida, então nem se preocupou em falar antes de exibir orgulhosa a tatuagem sobre o pulso direito; flores amarelas, roxas, rosas e azuis, o símbolo da família, da realeza, que "sim, vinha muito ali".
Mas foi aí que sua história de amor se tornou aquele clichê, é claro que Ricardo não sabia quem ela era. Como poderia? Ele vinha do Grande Norte, a parte mais afastada de toda a Federação, onde as leis ainda eram cumpridas com punho de ferro e os rebeldes tinham mortes públicas, para silenciar uma população insatisfeita e demandando por mudanças. Ele nunca poderia nem sonhar que na própria central a Federação convivia quase pacificamente com a rainha do crime e das drogas, parecia uma piada de mau gosto, ele que fugira de sua família e vira tantos amigos serem mortos e torturados pela oposição, agora estava ali num bar que nem se importava em esconder a aparência criminosa e os serviços a mais, de frente para uma mulher que controlava tudo aquilo e ainda tinha um dos nomes mais bem vistos na capital.
Dessa vez, quando não foi reconhecida, Atina sorriu, como se o efeito do álcool passasse por um instante e ela enxergasse curiosa o homem à sua frente. Analisasse as vestes que, apesar de mal cuidadas, pareciam esperar um frio muito maior que a amena primavera que tinham, o cabelo louro longo que não via um pente pareciam meses e os olhos verde escuros, cansados. "Do sul ou do norte?" Foi o que ela usou para iniciar, verdadeiramente, a conversa que iria se seguir até os próximos 7 anos.
Não é uma história de romance cego. E isso não porque eles foderam na primeira noite, mas sim porque ela era uma rainha e ele um rebelde. Nenhum deles realmente era inexperiente, mesmo com os corações abertos. Quando descobriu e entendeu quem ela era, Ricardo não só estava apaixonado pela mulher poderosa na sua frente, mas como sabia, com a maior certeza de sua vida, que era seu objetivo fazer com que ela voltasse todo o seu poder contra a Federação. Se as organizações do norte tivessem todo aquele apoio, como poderiam não ter sucesso? Atina poderia derrubar a central, tomar o poder como uma conquistadora e ter seus leais seguidores convencidos a marcharem para as outras regiões, ou no mínimo ela poderia desestabilizar o apoio que a Patrulha dava para a Federação e cortar seu financiamento aos negócios do governo, paralisar as companhias de transporte. Ela tinha tudo para fazer alguma coisa acontecer, dar significado para a luta dele.
É claro que ela disse um sonoro e claro não, quando ele levantou a questão. Dizem que foi a primeira grande briga deles, com a rainha d'O Beco forçando o namorado até mesmo a sair de sua mansão na central, onde ele tão prontamente aceitara se hospedar. Mas, é mentira dizer que esse 'não' veio do coração. Em duas semanas ela perguntou "O que seria necessário para trazer a liberdade de volta?", mas esse é um jogo perigoso que ela se arriscou a jogar por amor. Não só pela probabilidade de perder tudo, desde o apoio da Federação até o apoio dos mal-encarados que estavam a seu serviço, mas pela resposta que ele lhe ofereceu.
"Um nome, é isso o necessário para trazer a liberdade."
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Flores de plástico também morrem
Roman d'amourᴄᴏɴᴛᴏ ᴠᴇɴᴄᴇᴅᴏʀ ᴅᴏ 8° ᴄᴏɴᴄᴜʀsᴏ ᴅᴇ ʀᴇᴀʟᴇᴢᴀ ʙʀ Em um futuro distópico, mas não totalmente impossível, a extrema direita tomou o controle das Américas e fundou a Federação das Américas. Agora, a liberdade é pouca e só existe se você é o que a Federação...