CAPÍTULO I - RAZÕES PARA PARTIR

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O que se passava na cabeça de Ian?

Era a pergunta que Nichollas se fazia enquanto arrumava as malas para partir no dia seguinte.

De certa forma, lidar com os problemas dos outros sempre foi mais fácil do que com os próprios. Ao menos quando estava absorto com as tormentas de Ian, evitava refletir sobre as próprias.

Uma tarefa monótona como dobrar roupas era tudo o que ele poderia querer, movimentos simples, metódicos que não exigiam tanto de si. Exceto quando parava para pensar nos motivos de estar fazendo as malas.

Dores antigas, ocultadas nas gavetas empoeiradas de sua mente, foram trazidas de volta. A sujeira que decantou e respousava no fundo do copo, foi agitada novamente e era completamente visível num líquido que estava falsamente limpo.

Um simples nome conseguiu tal façanha, assim que viu as letras dispostas na missiva de Charles, foi como se estivessem sendo talhadas no próprio coração, com uma faca torta e enferrujada, não afiada o bastante para matar, mas ideal para causar níveis absurdos de dor.

Marie.

Imagens lhe turvavam os pensamentos, o de em um cenário retirado de conto de fadas, onde tomava os lábios de uma dama e sentia no peito uma nova emoção, carregada de um vigor refrescante.

Por muitas vezes se perguntou se aquilo não passava de um sonho. Guardava cada instante daquele momento na alma. A perfeição das flores em torno dela, a feição delicada da moça, como ardia por conta de sua inocência.

Como queria ir muito além de um beijo.

Mas então os acontecimentos seguintes vinham com a força de um soco no rosto.

A ausência, depois a partida.

A dor que sentiu ao ser deixado para trás.

Ah, ele teve muito tempo para esquecê-la, com os novos problemas que demandavam sua atenção ele quase o fez.

Quase.

Podia perceber como a imagem de Marie segurando um cravo esmaecia cada vez mais, desbotada em tons de sépia, mas então a carta do irmão recuperou as cores, elas retornaram saturadas, fortes e muito vívidas.

Sentimentos fortes e vívidos.

O incêndio novamente o consumia, um inferno o tragava, destoando fortemente da angelical criatura por quem havia se apaixonado.

Deixou a tarefa e recorreu a missiva de Charles, já a tinha lido muitas vezes, mas necessitava ver materializada nas palavras do irmão algo que ele desejou por tanto tempo: o endereço de Marie.

[...]

Meu caro e estimado irmão,

Pensei, por diversas vezes, nas formas como poderia iniciar esta que é sem dúvidas a carta de conteúdo mais controverso que já escrevi em toda minha vida. Entretanto, por mais que tenha amassado mais de meia dúzia de papéis, agora estou eu, sem nenhuma intenção de camuflar minhas concepções, compartilhando consigo que, assim como poucas vezes o fiz ( principalmente à ti), reconheço que me enganei.

Não é necessário dizer que seria uma cortesia admirada por mim se pudesse disfarçar o riso que sei que irá lhe surgir ao ler minha última fala, assim como também não é necessário que eu esteja aí para saber que não o fará. Entretanto, antes que torne-se esta uma missiva recheada de provocações estritamente fraternais, pretendo ser direto ao assunto principal que me fez escrevê-la: Marie.

Caso vosso coração tenha batido de maneira irregular ao ler o nome da dama, como imagino que ocorrerá, saberei que fiz a coisa certa, por ser este um demonstrativo claro de que os sentimentos que anteriormente me confessara sobre a mesma mantêm-se vivos em teu peito.

A Mensagem dos Cravos [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora