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  Choveu no dia que nos levaram a Thurmond, e continuou chovendo durante toda a semana, e na semana seguinte. Chuva gelada, do tipo que seria neve se estivesse cinco graus mais frio. Eu me lembro de olhar as gotas traçando caminhos frenéticos pela extensão da janela do ônibus da escola. Se eu tivesse voltado para casa, dentro do carro de um dos meus pais, teria acompanhado suas rotas sinuosas ao longo do vidro frio com meus dedos. Agora, minhas mãos estavam amarradas atrás das costas, e os homens vestindo uniformes pretos tinham agrupado quatro de nós num único assento. Quase não havia espaço para respirar.O calor de cento e poucos corpos embaçava as janelas e agia como uma tela para o mundo exterior. Mais tarde, as janelas dos ônibus amarelos brilhantes que usavam para trazer as crianças seriam pintadas com tinta preta. Eles só não tinham pensado nisso ainda.

  Eu era a mais próxima da janela no caminho que durava cinco horas, então pude ver diferentes partes da paisagem que passava sempre que a chuva amenizava um pouco. Tudo parecia o mesmo para mim — fazendas verdes, densas vastidões de árvores. Podíamos ainda estar na Virgínia, até onde eu sabia. A garota sentada ao meu lado, que mais tarde seria classificada como Azul, pareceu reconhecer um sinal num certo ponto, pois ela se inclinou sobre mim para poder olhar melhor. Ela era familiar para mim, como se eu tivesse visto seu rosto em minha cidade, ou como se ela fosse da cidade vizinha. Acho que todas as crianças ali comigo eram da Virgínia, mas não tinha como ter certeza, pois só havia uma única grande regra: e esta era Silêncio.

  Depois de me buscarem em casa naquele mesmo dia onde meus pais pareciam que haviam me esquecido, eles me mantiveram, junto com as outras crianças, em um tipo de armazém durante a noite. A sala estava inundada com um brilho que não era natural; eles nos fizeram sentar num aglomerado sobre o chão de cimento sujo e apontaram três refletores em nossa direção. Não estávamos autorizados a dormir. E mesmo se tivéssemos não iria conseguir.

  Na manhã seguinte, a viagem foi em completo silêncio, exceto pelos rádios dos soldados e pelas crianças que choravam no fundo do ônibus. O garoto que sentava na outra ponta de nosso assento fez xixi nas calças, mas ele não ia contar aquilo à FEP de cabeça vermelha que estava ao seu lado. Ela bateu no menino quando ele reclamou de não ter comido nada o dia todo.

  Pressionei meus pés descalços contra o chão, tentando manter as pernas paradas. A fome fazia minha cabeça ficar estranha também, borbulhando de vez em quando e oprimindo até mesmo os picos de terror que me atravessavam. Era difícil manter o foco e, mais difícil ainda, ficar parada; eu sentia que estava encolhendo, tentando me juntar ao assento e desaparecer por completo. Minhas mãos estavam começando a perder o tato após ficarem amarradas na mesma posição por tanto tempo. Quando eu tentava esticar a tira de plástico que ataram em volta delas não conseguia aliviar nada, só cortava ainda mais a pele macia.

  Forças Especiais Psi — era assim que o motorista do ônibus chamou a si mesmo e aos outros ao nos recolherem do armazém. Vocês devem vir conosco, sob a autoridade do comandante das Forças Especiais Psi, Joseph Taylor. Ele levantou um papel para prová-lo, então acho que era verdade. Ensinaram-me a não discutir com adultos, de qualquer forma.

  O ônibus deu um mergulho profundo ao sair da estreita estrada rumo a um caminho de terra ainda menor. As novas vibrações acordaram aqueles que tiveram sorte ou estavam exaustos o bastante para dormir. Eles também colocaram os uniformes pretos em ação. Os homens e as mulheres se endireitaram ainda mais e sua atenção voltou-se para o para-brisa. Eu vi a cerca elevada primeiro. O céu cinza escurecido tingia tudo com um azul mal-humorado e intenso, mas não aquilo. Era de um prateado brilhante, conforme o vento assobiava por suas fendas abertas. Logo abaixo da minha

janela havia dezenas de homens e mulheres vestindo uniforme completo, escoltando o ônibus para dentro, numa rápida corrida. Os FEPs na cabine de controle do portão levantavam-se e saudavam o motorista, conforme ele passava.

The Darkest Minds | | L.HOnde histórias criam vida. Descubra agora