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Funcionou assim por nove anos.

Nove anos parece uma vida quando um dia escorre para o próximo e seu mundo não se estende para além da cerca elétrica cinza, que rodeia dois quilômetros de prédios ordinários e lama. Eu nunca fui feliz em Thurmond, mas era tolerável porque Sam, uma amiga que eu havia feito já que dividimos o mesmo dormitório, estava lá para que fosse assim. Ela estava lá com o revirar de olhos quando Vanessa, uma de nossas companheiras de dormitório, tentou cortar o próprio cabelo com tesouras de jardinagem para parecer mais “estilosa” (“Para quem?”, Sam murmurou, “para o reflexo dela no espelho do vestiário?”); com a tola expressão, pelas costas do FEP, dando-lhe um sermão por ter falado novamente fora de sua vez; e o firme — porém gentil — choque de realidade quando a imaginação das garotas começava a correr solta ou quando surgiam rumores sobre os FEPs nos deixarem ir embora.

  Sam e eu éramos realistas. Sabíamos que não seríamos libertadas. Sonhar levava à decepção, e a decepção a um tipo de depressão que não era fácil de curar. Melhor ficar na meia luz do que ser devorado pela escuridão.

  Após dois anos em Thurmond, os controladores do campo começaram a trabalhar na Fábrica. Eles falharam em reabilitar aqueles que eram perigosos e os rebocaram à noite, mas as “melhorias” não param por aí. Ocorreu que o acampamento precisava ser totalmente “autossuficiente”. Daquele momento em diante, cultivaríamos e cozinharíamos a própria comida, limparíamos os vestiários, iríamos fazer os nossos uniformes, e até mesmo os deles.

 A estrutura de tijolo ficava no final do lado oeste do acampamento, contido numa extremidade do longo retângulo de Thurmond. Eles nos fizeram cavar a fundação para a Fábrica, mas os controladores do acampamento não confiaram em nós para, de fato, construí-la. Nós a observamos crescer, andar por andar, imaginando para o que serviria, e o que eles fariam conosco ali. Isso foi quando todos os tipos de rumores estavam flutuando como dentes-de-leão ao vento — alguns pensavam que os cientistas voltariam para mais experimentos; outros pensavam que o novo prédio era para onde mandariam os Vermelhos, Laranjas e Amarelos se e quando voltassem; e alguns pensavam que era onde se livravam de nós, de uma vez por todas.

— Vamos ficar bem — Sam me disse uma noite, logo antes de desligarem as luzes. — Não importa o que aconteça, você entendeu?     

  Mas não ficou tudo bem. Não estava tudo bem naquela época, e não está tudo bem agora.

  Não se podia conversar na Fábrica, mas sempre havia meios de contornar isso. Na verdade, o único momento em que podíamos falar uns com os outros era em nossa cabana, antes de as luzes se apagarem. Em todos os outros lugares, era só trabalho, obediência, silêncio. Mas não se pode durar por anos sem desenvolver um tipo diferente de linguagem, formada por sorrisinhos furtivos e olhares rápidos. Hoje nos fizeram polir e recolocar os cadarços das botas dos FEPs e apertar os botões dos uniformes deles, mas o simples balançar de um cadarço preto solto e um olhar na direção da garota à sua frente — a mesma que a tinha chamado de uma palavra horrível na noite anterior — falava em alto volume.

  A Fábrica não era bem uma fábrica. Armazém provavelmente teria sido um nome melhor, porque o prédio consistia de apenas uma grande sala, com uma passarela suspensa sobre o chão de trabalho. Os construtores pensaram bastante ao instalarem quatro janelas grandes nas paredes leste e oeste, mas, como não havia aquecimento no inverno, nem ar-condicionado no verão, elas tendiam a deixar entrar mais intempéries do que luz do sol.

  Os controladores do acampamento tentavam manter as coisas da forma mais simples possível; organizaram fileiras e fileiras de mesas em todo o comprimento do chão de concreto. Havia centenas de jovens trabalhando na Fábrica naquela manhã, todos em uniformes Verdes. Dez FEPs patrulhavam as passarelas acima de nós, cada um deles com seu rifle preto. Outros dez estavam conosco no chão.

The Darkest Minds | | L.HOnde histórias criam vida. Descubra agora