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  Eu li o bilhete mais uma vez antes de arrancá-lo debaixo do clip de metal e enfiá-lo na boca. Tinha gosto do pão que nos serviam no almoço.

  As pílulas estavam num pequeno pacote preso no topo do meu histórico médico real. Rabiscado com a péssima caligrafia da dra. Begbie, havia o bilhete: Sujeito 3.285, bateu a cabeça no chão e perdeu a consciência. Possível concussão.

  Meus olhos estavam coçando para olhar para cima, espiar no olho preto da câmera, mas não me permiti. Peguei as pílulas e as enfiei no top esportivo padronizado com o qual os controladores do campo nos presentearam quando perceberam que garotas adolescentes não teriam doze anos nem seriam como tábuas para sempre. Eu não sabia o que estava fazendo, não sabia mesmo. Meu coração batia tão rápido que, por um instante, fiquei sem ar.

  Por que a dra. Begbie fez isso por mim? Ela sabia que eu não era Verde, mas me acobertou, mentiu no relatório — seria isso só um truque? Para ver se eu me incriminaria? Pressionei o rosto contra as mãos. O pacote de pílulas queimava contra minha pele.

... eles vão te matar amanhã.

  Por que eles se davam ao trabalho de esperar? Por que não me levavam nos ônibus e me matavam agora? Não foi isso que fizeram com os outros? Os Amarelos, Laranjas e Vermelhos? Eles os mataram, pois eram muito perigosos. Eu sou muito perigosa.

  Eu não sabia como usar minhas habilidades.   Não era como os outros Laranjas, que conseguiam soltar comandos ou enfiar pensamentos ruins na mente das outras pessoas. Eu tinha todo o poder, mas nenhum controle — toda a dor e nenhum benefício.

  Pelo que consegui descobrir, eu tinha que tocar alguém para que minhas habilidades se manifestassem e, mesmo assim... era mais como olhar de relance em seus pensamentos, em vez de ferrar com eles. Eu nunca havia tentado empurrar um pensamento para dentro da cabeça de outra pessoa, e não foi por não ter tido a oportunidade ou o desejo. Cada escorregada da minha mente, intencional ou não, fazia da minha cabeça um amontoado de pensamentos e imagens, palavras e dor. Demoravam horas para me sentir eu mesma novamente.

  Imagine alguém estender a mão até o seu peito, passar pelos ossos, sangue entranhas e dar uma bela e firme pegada em sua espinha. Agora, imagine que essa pessoa comece a chacoalhar você tão rápido que o mundo se deforme sob você. Imagine não conseguir distinguir, mais tarde, se o pensamento em sua mente era mesmo seu ou uma lembrancinha involuntária da mente de outra pessoa. Imagine a culpa em saber que você descobriu o medo ou o segredo mais profundo e sombrio de alguém. Imagine ter que enfrentar essa pessoa na manhã seguinte e fingir que não viu coisas como o pai lhe espancando, o vestido rosa brilhante usado na festa de aniversário de cinco anos, as fantasias sobre um rapaz ou uma garota, os animais da vizinhança mortos por diversão.

  E, então, imagine a enxaqueca avassaladora que sempre vinha em seguida, durando horas e até dias. Assim é que era. Era por isso que eu tentava evitar minha mente, tanto quanto esbarrar em alguém, a todo custo. Eu sabia as consequências. Todas elas. E agora eu sabia com certeza o que aconteceria se eles me descobrissem. Virei a prancheta no meu colo bem a tempo

  O mesmo soldado FEP estava de volta à minha cortina, puxando-a para o lado.

— Você voltará para o seu dormitório agora — ele disse. — Venha comigo.

  Meu dormitório? Busquei qualquer sinal de mentira no rosto dele, mas não vi nada além da irritação de costume. Um aceno com a cabeça foi tudo o que consegui esboçar. Meu corpo inteiro era um terremoto de pavor e, no instante em que meus pés tocaram o chão, a parte de trás da minha cabeça desarrolhou. 

  Tudo foi derramado, todos os pensamentos, medos e imagens. Desmoronei contra a grade, segurando firme na lucidez.

  Os pontos pretos ainda estavam deslizando na frente dos meus olhos quando o FEP gritou:

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⏰ Última atualização: Jul 24, 2019 ⏰

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The Darkest Minds | | L.HOnde histórias criam vida. Descubra agora