"E eu admito que às vezes, talvez, eu deva
Pensar em você pela noite, bem, quase todas as noites..."
Nessas noites frias em que o tenho aconchegado em seus braços, e a brisa noturna parece dançar ao nosso redor, esfriando todo o cômodo, eu costumo fechar os olhos e pedir a Raziel por forças.
Com o orgulho ferido, e um sentimento do qual ainda não ouso nomear em voz alta, seguro o soluço que me aperta o peito, e oro silenciosamente.
Eu enrolo meus dedos suavemente entre suas mechas azuis, com as unhas raspando o couro cabeludo em um ritmo carinhoso, e guardo seus sonhos, pelo que parecem ser horas e horas e horas.
Porque há algo em tê-lo agarrado em mim; cabeça repousada na altura do meu peito, bochechas febris contra minha pele fresca, mãos fincadas em meus quadris e respiração descompassada, que me faz rogar aos céus para que o protejam, quando eu não for mais capaz.
Eu gostaria de consertá-lo, Kier, de uma vez por todas.
Seus remendos são temporários, e parece quase impossível curar essas feridas internas que se abrem sozinhas e voltam a sangrar logo adiante.
Se eu ao menos pudesse entrar em sua mente e reescrever a história de suas angustias sem precisar me preocupar com as conseqüências... Talvez assim, só assim, eu pudesse arrancar de sua alma esses sentimentos amargos que crescem como erva - daninha, que lhe turvam a visão, lhe encobre os ouvidos e ecoam em risadas insanas, no vazio, quando ninguém está por perto para salva-lo de si mesmo.
Mas suas raízes são fortes, Kieran, e eu fraco.
Então, nesse momento, enquanto despejo as palavras em uma folha qualquer de papel, tudo o que sinto que posso fazer é me prender á você, acariciando suas têmporas doloridas enquanto lhe embalo os sonhos, sussurrando promessas das quais sei que jamais poderei cumprir, pois nunca o terei por inteiro, afinal, você é um príncipe feito de sangue e aço.
E eu não sou ninguém.
Existem tantas cicatrizes de guerra espalhadas por seu corpo, tantos remendos em sua pele clara que eu não saberia dizer se ainda há algo do tecido original. Mas seu corpo é resistente, aguenta o tranco de enfrentar um mundo que lhe arranca a vitalidade, e então promete potes de ouro no fim do arco-íris durante as manhãs para ao anoitecer varrer a podridão para debaixo de suas asas quebradas.
O universo está à beira de uma guerra e eu só quero te abraçar, sentindo o calor irradiar do seu corpo.
Depois que você começou a dormir comigo por conta dos pesadelos que o assombravam, eu aprendi a te associar com o calor, porque na infância minha mãe costumava dizer que significa vida, e nesse meio tempo você reviveu alguma coisa que já tinha morrido há muito tempo dentro de mim.
Eu estava certo aquela vez em que disse que o sol sempre te habitou, por mais que você ache que a tempestade tenha alcançado seu coração.
Te toco como se sua pele fosse um dente-de-leão; muito peso te levaria pra longe, e eu não suporto tal possibilidade.
No fundo, eu sei que você é apenas um menino perdido, mas ainda resta algo de puro em seu coração que a qualquer momento sucumbira ao peso de uma culpa que não lhe pertence.
E este é um fim do qual não desejo assistir.
Um dia, eu gostaria de poder salvar você desses temporais, e te agarrar como se nada fosse grande demais para nos destruir.
Mas agora, tudo o que consigo fazer para esse nó constante desaparecer do meu peito é esperar até que o aperto de suas mãos afrouxe, seus músculos relaxem e seus cílios parem de tremer, para que eu enfim possa vestir meus coturnos e fugir pela madrugada.
Vai ficar tudo bem, Kier.
Todos os músculos do meu corpo parecem lutar contra o impulso de fugir, porque eu ainda quero te beijar, te abraçar e levá-lo para longe.
Mas eu sei que não posso, sei que você ficará bem, que Mark em breve estará aqui para você, que essas lembranças e sangue serão lavados e descerão pelo ralo, que a dor será logo esquecida com analgésicos.
Eu também sei que amanhã será um novo dia, com mil novas possibilidades diferentes. Mas nesse exato momento, enquanto o observando adormecer encolhido entre os lençóis, com o peso de uma galáxia inteira nas costas, sinto que não posso viver comigo mesmo.
Esta noite não poderei ser seu esconderijo seguro do mundo, eu sinto muito.
Diego.
YOU ARE READING
Tons de Azul
Fanfiction"Então, para você, fonte da minha inspiração e dono dos olhos de quem enfrenta batalhas intermináveis, dedico todas as minhas palavras não ditas." {Shortfic: Diego/Kieran}