Eu

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Eu cuidei da mão dele e ele dormiu, muito bem alimentado com minha sopa.

E eu sentia dor.

Sentia a dor da queda.

Do murro.

Das palavras.

Da rocha me puxando cada vez mais fundo.

A semana seguinte foi silenciosa. Sem gritos, sem ofensas, sem conversas.

Um dia, em que ele iria chegar mais tarde, eu me permiti chorar.

Eu tinha medo de chorar, ele notar, e os gritos voltarem. Mas agora eu podia.

E eu chorei. Chorei com vontade.

Como nunca antes.

Eu lavei minha alma naquela noite.

E ainda com o rosto molhado, peguei o telefone e liguei. Chamou por um bom tempo, mas atendeu.

— Alô? Sun, é você?

— Sou eu sim, Eunbi.

— Nossa, uau! Quanto tempo... Nossa! Como você está?

— Bem, bem. — Para os outros, tenho sempre que estar bem. Uma das regras dele. — Você vai sair hoje? Vi no insta umas fotos.

— Ah, sim, sim. Já estou aqui, na verdade. É uma boate nova.

— Onde é?

— Pera? Você vai vir? Mas e o...

— Ele não vai. Sou só eu. Apenas... Eu. Ele vai ficar para segundo plano hoje.

— Ah, isso aí! Faz tanto tempo que não te vemos. O pessoal da faculdade tá todo aqui. Vem logo, tá? Vai ser ótimo rever você. Te mando o endereço já já.

— Certo, Eunbin. Obrigada.

Falar com minha melhor amiga depois de tantos meses afastadas pelo ciúmes doentio do meu esposo foi revigorante.

As vozes dos meus antigos amigos ao fundo, curiosos e animados para saber quem estava ligando. Eu me senti quente por dentro de novo, depois de tanto tempo no frio.

Eu amava aquelas pessoas. A família que a vida me deu. Ficar longe delas foi tão doloroso. Eu só queria vê-los. Queria beber um pouco como antigamente. Dançar, rir.

Queria viver. E eu faria isso.

Escolher uma roupa foi bem estranho. Ainda não estava pronta para usar o que usava antes. Faz tanto tempo que não me permito usar o que gosto.

Mas também não sairia de casa com todo aquele pano como ele gosta.

É verão. E eu queria pular, dançar.

Pano demais só iria me sufocar. Eu não queria ser sufocada. Nunca mais.

A parte da maquiagem foi mais difícil.

Meu olho estava melhor. Mas ainda havia umas manchas amareladas e em tons de roxo.

Tive que carregar um pouco mais na base.

O batom... Bem, há quanto tempo meu batom vinho está mofando na gaveta? Nossa, eu nem me lembro.

A voz dele soou na minha cabeça.

Escuro demais. Vão olhar muito para você. Põe outro.

Então pus de volta na gaveta e fui empurrando lentamente para fechá-la.

Ele vai ficar para segundo plano hoje.

Lembrei de minhas palavras ao telefone.

Beije-me na pista de dança [jungkook]Onde histórias criam vida. Descubra agora