Capítulo II

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O sábado começou cedo para a descendente da família Bertrand. Sua cabeça latejava e dava pontadas em sua testa não a fazendo esquecer das taças de chopp da noite passada. Parece que juntar stress com álcool não era algo muito saudável, pensou com ironia.

Mas não tinha tempo a perder, tinha que aproveitar a manhã, fez seu ritual diário de sair da cama e tomar uma ducha rápida pegando um vestido e um sapato de salto, apesar de ser considerada uma mulher alta, gostava deles, lhe caiam bem com suas roupas e sua silhueta. Era algo que havia aprendido com sua mãe, ela era muito mais ligada ao visual e material, dizia que uma boa primeira impressão é a chave para tudo, e não iria aceitar nada menos do que a perfeição de sua filha única, seja em suas roupas ou no modo de se portar.

Passou o mais discretamente pela mansão, dispensando o café da manhã, apesar do cheiro de pãezinhos recém saídos do forno e café, seu estômago embrulhou só de pensar em comê-los. Tinha algo mais importante para resolver no momento. Agradeceu o convite dos empregados colocando a mesa de café da manhã na sala e saiu com as chaves da sua BMW.

Estacionou na garagem, já havia ligado e acertado que chegaria aquele horário para a visita. O bairro era bem arborizado, tranquilo e silencioso, haviam algumas casas e uns poucos apartamentos, todos de luxo, o que iria visitar era branco com grandes janelas de vidro. Adentrou no elevador pela garagem e subiu ao décimo andar onde o corretor de imóveis já aguardava por ela no local que haviam combinado.

Ele esperou ela chegar para abrir a porta e lhe dar a preferência de passagem, o local era bem amplo, todo em conceito aberto e em cores claras com toque moderno dos quadros na parede e a decoração minimalista. Tinha apenas uma suíte e um banheiro, não haveria problema, pois só ela iria morar ali. Uma cozinha grande e sala de estar que dava para a enorme janela que se via de fora. A vista era magnífica, só ela já valia milhões, tinha de um lado um pouco das montanhas de Vancouver e diretamente a vista do mar, pois o apartamento era defronte.

Era perfeito, tudo que ela queria, sua carta de liberdade da família, não conseguia mais se ver morando na mansão Bertrand, sem privacidade e principalmente, sem liberdade. Os Bertrands não deixavam passar nada, tudo tinha que correr como eles planejavam e ela já estava sobrecarregada daquilo, queria andar com suas próprias pernas. Assinou e fechou o contrato logo em seguida, até o fim daquela semana já queria estar morando ali, iria contar com a ajuda de seu primo para isso.

Até que sua ressaca havia melhorado rapidamente, talvez em razão da felicidade que morar sozinha lhe propiciaria em breve havia curado seu organismo. Mas não totalmente livre, lembrou-se do compromisso com sua tia e chefe do escritório, não seria muito bom chegar atrasada, tante Audrey odiava atrasos. E falando no diabo, pensou quando recebeu a ligação dela em seguida.

"Está quase na hora do almoço, vamos a um restaurante, mon cher."

"Pensei que nos encontraríamos no escritório, tante."

"Oh não, hoje não. Vamos aproveitar o final de semana com uma boa comida. Está de carro?"

Concordou ao telefone afirmativamente, ela sempre costumava dar reuniões no escritório, achou inesperado. Sinal que o que sua tante tinha para falar era breve. Menos mal.

"Ótimo, lhe enviarei a localização." E desligou.

Alguns minutos depois já estava no seu carro em direção ao restaurante, era um restaurante quatro estrelas que ela conhecia mas ainda não havia visitado, servia frutos do mar, uma iguaria apreciada por qualquer portador de sangue francês.

Chegou ao Ancora Waterfront e o nome fazia jus ao lugar, ficava de frente para a água. Por dentro o lugar era muito iluminado e clean, com os raios solares que vinham do meio dia, o restaurante se iluminava ainda mais, tinha uns detalhes em madeira nas cadeiras e paredes e o resto da coloração era totalmente branca. Um garçom bem vestido de terno preto conduziu-a até onde sua tia estava aguardando numa mesinha para dois reservada, ficava debaixo de um grande guarda-sol branco.

"Bonjour, chérie.

Saudou a mulher mais velha a sua frente, ela também tinha os cabelos aloirados, mas eram curtos, sua fisionomia era de alguém séria e profissional. Ela cumprimentou-a com um sorriso reservado, colocando o celular de lado enquanto sua sobrinha se sentava a mesa.

"Bonjour, tante. Esse lugar é incrível, ainda não tinha vindo até aqui, obrigada pelo convite." Agradeceu Juliette, desviando seu olhar para a vista do mar.

Conversaram sobre amenidades e questões do escritório até decidirem os seus pedidos e chamarem o garçom que veio solicito para atendê-las.

"Agora vamos aos negócios, chérie. Veja bem, nos últimos anos um mercado em particular tem crescido no mundo todo, e você sabe que o escritório Bertrand-Dubous está sempre antenado no novo e rentável."

Juliette ouvia sua tia contar a história, ela adorava dar essas introduções antes de começar um assunto, era sempre assim nas reuniões da empresa, exceto quando tinha que puxar a orelha ou dar bronca nos subordinados, não deixava barato nem para seu próprio filho. Até agora não tinha ideia de que novo mercado era esse, mas tinha um pressentimento de que iria sobrar pra ela.

"Sei, tante. E qual é esse novo mercado?"

"Plant based. Especializados em comidas a base de plantas, vegetarianismo, veganismo e essas coisas." 

A mulher continuou impaciente por ter sido interrompida.

"E enquanto isso, nós estamos aqui desfrutando de belos frutos do mar."

Sorriu com a ironia da situação, já havia ouvido falar do assunto, mas nunca teve qualquer proximidade com aquilo. A outra maneou os ombros enquanto tomava uma taça de seu vinho.

"Negócios são negócios. E eles tem uma projeção de crescimento enorme, mas o mercado em decadência do agronegócio está tentando impedi-los de usar o termo "carne" vegetal em seus produtos. E você vai representá-los"

A flecha veio certeira, sabia que ela estaria envolvida naquilo, era uma causa aparentemente fácil mas muito complicada pois lidava com algo novo, não haveria muitas jurisprudências sobre o tema.

"O Raphael é bem melhor com essas questões tributárias e financeiras, tante." 

O filho dela e seu primo poderia lidar com aquele assunto facilmente.

"Chérie, Raphael é um ótimo advogado, mas ele não tem a sensibilidade que você tem para pensar em argumentos e desenvolver teses, ele é um homme."

Juliette havia ficado lisonjeada com o elogio, e no fundo sabia que a tia estava certa, Raphael era imprevisível, o que poderia ser algo bom ou ruim.

"Merci, tante. Mas por onde irei começar?"

"Que bom que perguntou. A empresa chama "Green Meat", aos domingos costuma haver uma feira orgânica no centro e eles estão divulgando o produto lá, você vai lá amanhã para conhecer. Tire o dia para pesquisar."

Depois da conversa com a tia, o sábado em que tivera que acordar cedo para resolver a questão da sua moradia e o almoço que mais parecia uma reunião de trabalho lhe deram a certeza que não teria dia de descanso, e o desejo de descanso depois havia ido por água, tinha um enorme dever de casa pela frente.

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