2. Tortas Erradas

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Depois de horas de sono e sonhos bizarros e aleatórios, desliguei meu despertador e levantei da cama para mais um dia de aula. Sabe quando você já acorda ansiando por algo específico? Eu estava dessa forma, além de extremamente animada.

Após as higienes matinais e me arrumar para a aula, fui para a cozinha, meu pai estava sentado ao balcão, com o prato de torradas e o celular na sua frente, parecia concentradíssimo.

- Bom dia. - Eu disse, já abrindo a geladeira e pegando o leite, pude ver que ele levantou os olhos para mim e voltou ao seu celular.

- Bom dia, querida. Como passou? - Indagou distraído, não sei o que ele fazia, mas pelo jeito que agia, devia ser trabalho.

- Bem, obrigada.

Tomei o café da manhã e saí com meu pai, haviam dias que ele me levava para a escola de carro, só quando não estava desesperado por estar atrasado para alguma reunião.

Ao chegarmos, me despedi dele e parti em direção à escola, foi uma manhã tediosa como a maioria, até a hora do almoço, quando saí pelos corredores após períodos infernais de Álgebra, afim de colocar fogo nos livros que carregava nos braços ao invés de apenas guardá-los no meu armário.
Após fazê-lo (guardar os livros, não por fogo neles), fechei a porta do armário e a figura indesejada do maior playboy da escola surgiu, encostada no armário ao lado, me olhando com um sorriso malicioso que me fez revirar os olhos e suspirar, começando a andar em direção ao pátio.

- O que vai ser dessa vez, Michael? Precisando de "ajuda" pra Literatura de novo? Vou começar a cobrar os trabalhos que faço pra você... - Dei ênfase em ajuda, soltando num tom irônico, sendo seguida por ele, que riu cínico, como se não soubesse do que eu estava falando.

- Que isso, Rodríguez. - Ele solta o meu sobrenome puxando o melhor sotaque espanhol que pode. - Sabe que se fosse pra te pagar pra algo, não seria por um trabalho...

Aquilo me fez ter vontade de vomitar, ou virar e dar um tapa na cara dele. Virei na direção do mesmo, na porta da escadaria que descia para o pátio. Ele percebe a fúria nos meus olhos e seu sorriso cínico aumenta, eu respiro fundo, o olhando como quem pedisse para que ele dissesse logo o que queria.

- Anthony, do terceiro ano, vai dar uma festa hoje a noite. Você devia ir. - Ele diz, encostando-se com o ombro na porta.

- Agradeço o convite, mas não. - Desci as escadas em direção à cantina com o digníssimo atrás de mim.

- Não, sem essa, você vai. Eu passo na sua casa às nove horas, sem discussão. - E saiu, sem acrescentar mais nada, me deixando na fila da cantina.

Achei graça, de jeito algum eu ia naquela festa, nem que ele entrasse na minha casa e me arrastasse pelos pés. Aliás, como ele saberia o meu endereço?

Michael era o padrão de cara babaca, o tipo mais clichê que poderia existir, me enjoava a forma como ele achava que podia conseguir o que queria só por ter um sobrenome importante: Monclarck, os pais dele eram empresários de alto nível e, é, talvez ele realmente pudesse ter tudo que queria.
Com seu jeito manipulador, ele sempre conseguia me convencer de ajudá-lo quando estava precisando de nota em alguma matéria, aquilo era um saco, mas eu preferia não ficar devendo para alguém tão influente como ele, sendo assim, ele me devia, e muito.

Mas era estranho Michael querer me chamar para uma festa, logo eu, quem era Stella Rodríguez naquela escola? Só a estrangeira esquisita, estrangeira esquisita bonitinha e estilosa? Sim, porém, nem um pouco influente.

*

Cheguei na cafeteria após a escola no horário combinado com Jennifer no dia anterior, ouvindo o sino da porta, que me fez sorrir, lembrando que o ouviria diversas vezes todos os dias a partir dalí. Jennifer me viu do balcão e logo me entregou o avental.

- Que bom que chegou! Preciso que você faça uma entrega agora, e rápido! - Disse de uma vez, eu a olhei, segurando o avental nas minhas mãos com a mochila caindo do meu ombro. Ela voltou para atrás do balcão e anotou algo num papel.

- Assim? Por que não manda o Steve? - Que eu inclusive ainda não conhecia.

- Ah, ele está ocupado na cozinha. - Ela me entregou o papel com o endereço e colocou em cima do balcão duas caixas que guardavam tortas, provavelmente. - Me dá sua mochila e faz essa entrega pra mim rápido, depois você volta e eu te apresento o Steve.

Assim fiz, entreguei a mochila, vesti o avental e saí da cafeteria carregando duas caixas de tortas como uma doida pela rua, em pleno horário funcional.

Toquei a campainha da casa do endereço que Jennifer me deu, conferindo se era ali mesmo. Logo um rapaz abriu a porta e me olhou com um semblante curioso, como se não me esperasse e eu fiquei nervosa.

- Boa tarde, foi aqui que pediram... é... torta de limão e pêssego? - Indaguei sem jeito algum, ele demorou um pouco para me responder, como se me analisasse, aquilo só ajudou para o meu nervosismo aumentar.

- Sim. Pode entrar e deixá-las na mesa da cozinha, por favor? Eu vou pegar o dinheiro... é... ali.

Ele me guiou até a cozinha e depois sumiu de vista, grande dono de casa que deixa uma completa estranha entrar assim, sem mais nem menos, vai ver dá pra ver na minha cara que eu não sou nenhuma assassina. Me mantive parada ao lado das tortas, sem me mexer, comecei a notar a decoração, era uma casa muito bem organizada para um adolescente solitário, logo, imaginei que ele devia morar com a mãe, pois os itens da cozinha pareciam demais com itens de dona de casa, como as coleções intactas de louça no armário.

Quando ele voltou, pude analisá-lo melhor: ele tinha um emaranhado de cabelos castanhos bagunçados que eram um charme, e seu rosto parecia um pouco cansado.

- Aqui, pode ficar com o troco. - Ele disse ao se aproximar de mim, me estendendo o dinheiro, que eu aceitei. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele continuou a falar. - As tortas da sua cafeteria são muito boas.

Ele deu a volta na mesa e abriu uma das caixas, olhando dentro delas, colocou o dedo ali e o levou a boca, logo me olhando, eu não fazia ideia do que dizer, balancei a cabeça, sorrindo amarelo.

- Trabalha lá a muito tempo? Nunca te vi.

- Ah, não, eu comecei hoje. - Disse sem jeito, e sem entender porquê ele tentava puxar assunto.

- Sério? Puxa! Eles estão precisando de funcionários? - Sua expressão era de sincero interesse, o que, por algum motivo, fez eu me sentir mais confortável.

- Sim, acredito que ainda precisem sim. - Respondi. - De um entregador fixo, principalmente...

Ele riu da forma como eu falei, desviando o olhar e dizendo a segunda frase um pouco mais baixo, reclamando.

- Você é engraçada. - Eu o olhei e ele pegou o celular e digitou alguma coisa. - Muito obrigado pela entrega é... - hesitou, levantando o olhar pra mim e fitando meu avental. - Stella. Belo nome. - Sorriu.

Sorri de volta, fiz um aceno de cabeça e me retirei dali o mais rápido possível, tinha vestido o avental tão rápido que nem notei o broche com meu nome escrito.
Caminhando a passos rápidos pela rua, não conseguia parar de pensar naquele garoto e no jeito gentil que ele tratou uma estranha, de fato, devia ser muito amor pelas tortas.

Ao voltar, fui direto ao balcão, e sentei em uma das cadeiras para descansar, Jennifer logo saiu da cozinha e me olhou, perplexa.

- O que você foi fazer? O cliente que pediu as tortas acabou de ligar reclamando da demora que estava sendo a entrega! - Exclamou, vindo até mim por detrás do balcão.

- Como assim? Acabei de voltar de lá, ele até conversou comigo e... - Retirei do bolso do avental o dinheiro que o rapaz tinha me dado. - ele até me deixou com o troco.

Jennifer ficou tão confusa quanto eu e, puxou do meio do dinheiro o papel com o endereço que tinha me dado.

- Você entregou na casa n° 253? - Perguntou enquanto desdobrava o papel.

- Não era 352? - Franzi o cenho, ela olhou pro papel e começou a rir, mas era claro que ria de nervosa.

- Menina, eu troquei os números!

Ah, não.

Too Much Pies // Aaron CarpenterOnde histórias criam vida. Descubra agora