5

50 15 12
                                    

O sujeito novamente dirigiu até sua residência. Como de praxe, estacionou a algumas quadras e finalizou o trajeto a pé. A casa estava com as luzes apagas, porém, vozes podiam ser ouvidas em seu interior. Retirou então a chave por debaixo do vaso de planta e, assim como em dezenas de outras vezes em que fez aquilo, a porta rangeu. Este som fora suficiente para que as vozes se calassem.

— Ele chegou. — uma voz masculina levemente rouca disse.

— Era para ter chego mais tarde. Rápido! Apague a luz. — desta vez, a voz era feminina.

— O que faremos? — uma voz conhecida soou baixo.

Althon caminhou sorrateiro até a sala curioso e ansioso com o que ouvia.

— Surpresa! — gritou alguém acendendo a luz e revelando dezenas de bexigas coloridas espalhadas pelo cômodo.

Althon Frossard olhou confuso reconhecendo a maioria do pessoal do laboratório, alguns colegas da época da faculdade e alguns amigos de infância que ele nem mais sabia o nome.

— Quem é você? — disse uma voz conhecida. — O que aconteceu para você tirar o bigode? — a mulher de corpo volumoso riu sem mostrar os dentes e o abraçou dando um beijo em seu rosto.

Althon olhou surpreso. — Andrea?

— E quem mais seria? — respondeu com uma leve careta.

— Seu cabelo... você sempre quis pintar de acaju, mas nunca teve coragem.

— Meu... cabelo? Você bebeu? Sempre pintei desta cor.

— Você está bonita. — sorriu Althon para a irmã sem dar muita informação.

— Realmente deve ter bebido. — ela disse.

Doutor Frossard coçou os cabelos da nuca e sorriu fechando os olhos.

— Beber? Alguém disse beber? — um sujeito boa pinta que Althon não reconhecia surgiu carregando um copo de cerveja e entregando para ele. — Parabéns pela descoberta e pelos bons anos de amizade. — disse saindo de cena.

— Com licença. — disse o anfitrião para irmã aproximando da estante de TV e pegando um porta retrato de moldura branca. Althon fitou aquela imagem que, apensar de confortável, causava estranheza mostrando em trajes sociais além dele, sua mulher Margot e os gêmeos com aproximadamente 3 anos. — Meus meninos. Tinha me esquecido de como eram gordinhos nesta idade. — Andrea voltou a se aproximar do irmão depositando sua mão em seu ombro. — Como você está meu irmão?

— Como eu...

— Com o ocorrido.

— Não entendi.

— Você sofreu muito nesses últimos meses. Entendo! Mas não me faça dizer.

Althon calou-se por um instante. — Você deve estar falando da Grande Chuva e de Larry e Lewis.

— Chuva? Que chuva? Estou falando sim dos seus filhos e da Margot! Não esqueça dela! — disse mais ríspida que queria. — Me desculpa. Não quero intrometer em sua vida, nem nada. Mas vocês eram um casal maravilhoso e sempre se amavam. Sei que o que aconteceu não foi fácil para nenhum dos dois, mas, você deveria ver o lado dela. O que ela passou, não quero nem imaginar.

— E... onde ela está? — perguntou em um tom baixo com medo da resposta que pudesse ouvir.

— Como assim? Você está brincando com a situação? Eu vim aqui mesmo não querendo, tentando de alguma forma seguir adiante, mas não faça isso! Não se faça de idiota!

— Me desculpa... eu não quis... deixe me explicar... — tentou se defender em vão.

— Você sabe o que é ser estuprada na frente dos seus filhos? E depois vê-los serem mortos em sua frente? Sei que você se culpa por não estar presente. Por ter estado naquele dia no bar bebendo com o pessoal do laboratório, mas, por favor, não se faça de idiota.

Althon levou um choque. Não físico, mas mental. Uma sensação de vazio. — É difícil explicar, mas, por favor, me diga onde ela está. É só o que te peço.

— Ela está internada no sanatório Hilton, seu imbecil. Você a colocou lá! E depois de tanto tempo e tantos remédios, o cérebro pifou deixando-a como um vegetal. E eu achando que você tinha mudado. — finalizou sem ao menos esperar resposta.

Althon caminhou em silêncio até onde seria seu quarto e sentou no que deveria ser sua cama. A escuridão predominava. — O que foi que eu fiz? — então chorou baixo cobrindo seu rosto com suas mãos. — Que universo desgraçado é esse? Como isso pode...? — então lembrou de ter assistido algo sobre um grupo de skinheads estar invadindo casas logo após a Grande Chuva. — Talvez, neste universo, não houve chuva, porém esta fatalidade ocorreu. — disse negando com a cabeça — Preciso voltar para o meu mundo. Preciso ir até o laboratório. — finalizou após ouvir uma algazarra generalizada.

— Mais... quem é você? Que merda é essa? Você... é minha cara! — Uma voz conhecida pode ser ouvida por ele. Seu outro eu surgira em frente a porta — Essa festa... eles esconderam você aqui? Essa é a surpresa? É para me assustar? Foi por isso que esconderam meu carro? Acabei tendo que desmarcar um compromisso por conta disso.

— Eu preciso ir. Esqueça que me viu.

— Sua voz... é idêntica a minha. Que loucura! — Althon daquele universo ajeitou seu bigode felpudo, aproximou e tentou tocar seu semelhante.

— Não! — gritou o outro. — Não sei se podemos nos tocar. Eu não deveria... Eu preciso realmente ir. Já interferi demais.

— Quem é você? — disse em um tom mais ríspido. — O que faz em minha casa. Em meu quarto.

Mas não havia nada a se dizer. Althon tentou correr daquele local. Fugir daquela casa e voltar para seu mundo. Mas seu outro eu aproveitou da baixa da guarda e socou-o violentamente.

O sujeito que não era daquele mundo caiu desajeitado entre a cama e o guarda-roupa. A mandíbula formigou e avermelhou-se imediatamente. Dr. Frossard esfregou o punho dolorido aproximando da porta. Não estava habituado a isso. Nem lembrava da última vez que teve que ser um pouco mais agressivo. Por fim, fitou seu semelhante mais uma vez antes de ajeitar seu bigode e o trancafiar naquele quarto.

— Que merda! Que merda! Preciso voltar. Preciso sair daqui. Althon seu burro! Como pode deixar isso acontecer.

O silêncio perdurou por alguns bons minutos enquanto Althon retirava apressadamente de seu bolso os dois pequenos frascos coloridos assim como a seringa para uma possível emergência. Neste ínterim, a voz do seu igual fora tomando forma até a porta voltar a se abrir. Althon daquele universo surgiu com uma maleta e uma corda rodeando um dos ombros. Sereno, voltou a fechar a porta bem calmamente. Caminhou para próximo de seu igual e então, depositou aquela maleta sobre a cama. Sentou-se. Então, acariciou a colcha de seda vermelha, favorita de sua esposa. Fechou os olhos talvez por alguma velha lembrança.

— Você vai me dizer quem ou o que é você quer queria quer não. Farei você falar. Não tenho pressa. — disse abrindo a maleta com dezenas de aparatos retirados diretamente de filmes de terror.

— Por favor, me deixe ir. Você sabe quem eu sou.

— Sim, eu sei. Como conseguiu? Eu preciso saber. Você vai me dizer, não vai? — disse baixo olhando para a maleta aberta.

— Sei que não faria isso. Nós não faríamos isso. Não é de nosso feitio. Me deixe ir e tudo isso vai acabar.

— Você pode achar que me conhece. Que sabe o que passa em minha cabeça. Mas não me enganará. Você não mexerá com meus pensamentos. — dizia batendo os dedos freneticamente próximo de sua orelha direita — Talvez isso te dará a confiança que precisa para me dizer. — então olhou no fundo dos olhos de seu semelhante enquanto retirava um bisturi da maleta.

— Eu... preciso... sair...

— O que você está fazendo? Pare agora ou...

Tarde demais. Ela, a emergência, veio e assim que a seringa foi inserida desrespeitosamente com o líquido colorido, seu análogo desaparecera em sua frente.

PARALELOSOnde histórias criam vida. Descubra agora