Capítulo 8

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Francisco tinha se despedido de seu filho há algumas horas. O menino tinha uma tala imobilizadora em espiga protegendo seu dedo polegar e, se não fosse pelo leve incômodo para dormir, já teria se esquecido do machucado. No final, ao saber que não era nada tão grave, Victoria aproveitou os últimos dois dias de sua viagem com as amigas, mas ligava para o pequeno pelo menos três vezes ao dia, para se certificar que ele estava realmente bem. De volta, tinha ido direto do aeroporto para a casa do ex-namorado e os dois conversaram muito sobre tudo que tinha acontecido, antes de ela ir embora.

- Agradeça a Nina por mim, se um dia eu a ver na escola, faço pessoalmente. Por mais que isso ainda seja estranho pra mim, saber que tem mais alguém por perto, que vai fazer o que for necessário para o bem estar do nosso filho, me deixa um pouco mais tranquila.
- Pode deixar e se você precisar de qualquer coisa, me liga, a hora que for. - a assegurou - Já deixei seu número pra tocar, mesmo que o celular esteja no silencioso. Também deixei o número do clube com a escola, assim eles podem me encontrar caso algo assim aconteça novamente.
- Eu espero que não. Tchau Isco, se cuida. - a morena desejou, abraçando o jogador e entrou no carro, dando a partida.

Assim que o veículo sumiu de vista, Isco tirou o celular do bolso, apertando o contato de Nina. Não poderia dizer que ficou surpreso ao ter sua chamada encaminhada para a caixa postal, há dias que ela não o atendia e pelo visto não o faria tão cedo. Não tinha contado a Victoria que os dois não estavam mais juntos e não o faria até ter certeza que aquilo era permanente. Ele esperava que não, mas do pouco que tinha descoberto, já não tinha muitas certezas.

Com a tela de seu celular aberto nas últimas chamadas, Isco não se surpreendeu ao ver a quantidade de números ao lado do nome da mulher. Ele realmente vinha tentando falar com ela há algum tempo, sem sucesso. De início aquilo o irritou, ela precisava mesmo o ignorar? Não poderiam conversar como dois adultos? Mas quanto mais os dias passavam, mais sua raiva diminuía e sua preocupação crescia.
No quinto dia, pediu a Victoria para buscar o filho na escola, mesmo não sendo sua semana de ficar com o pequeno, queria poder ter uma chance de falar com a mulher, mas estranhou ao não ver Ella em lugar algum. Quando já estavam no carro perguntou ao filho, que confirmou que ela não tinha ido a escola desde o dia de seu acidente.

Aquilo foi o suficiente para que Isco deixasse a mágoa de lado e começasse a pensar racionalmente. Nina até poderia estar o ignorando, mas ela não desligaria o telefone por quase uma semana inteira. Tinha seu trabalho com Ben, algo poderia acontecer com Fiorella, seus pais... Ele chegou até a pensar que ela pudesse ter trocado de linha, mas quanto mais pensava no assunto, mais ele tinha certeza que aquilo era algo que Catarina jamais faria com ele. Alguma coisa estava acontecendo.

Mesmo com o carro já em movimento, Isco freiou de frente ao portão da escola, sem se importar que era um local proibido. Com a luz de emergência ligada, pegou rapidamente o filho no colo e correu em direção a Ramona, que estava com as crianças que ainda não tinham sido buscadas. A funcionária, tocada com a preocupação do jogador, lhe contou que Catarina tinha avisado que a pequena faltaria às aulas, mas não tinha dado muitas explicações ou motivo. Sem pensar em mais nada, Isco saiu em direção ao apartamento das duas e sentiu seu coração ir a boca quando o porteiro confirmou que não as via há dias.
Por mais que tentasse dizer a si mesmo que não era nada, algo lhe dizia que precisava encontrá-las. Sem querer preocupar mais o filho, o deixou na casa da ex e foi em direção ao último lugar que sabia que poderia tentar descobrir algo sobre elas, a casa de Ben. Depois de todo o acontecido no hospital, sabia que Nina poderia se retrair, mas precisava ver com seus próprios olhos que elas estavam bem, só então ficaria tranquilo.
Foi impossível para Isco descrever a sensação de alívio que sentiu, ao ver o carro de Catarina estacionado na garagem de Ben. A ansiedade que vinha sentindo há dias, finalmente começava a se dissipar. Percorreu o caminho até a porta e tocou a campanhia, sentindo seu coração bater acelerado.

- Olá, posso te ajudar? - Francisco encarou a mulher a sua frente. Imaginou ser Cora, filha de Ben.
- Sim, eu não quero incomodar, mas eu estou procurando pela Catarina e a Fio...
- Isco?! - o jogador ouviu a voz de Nina atrás da porta e Cora sorriu fechado para dentro da casa, antes de terminar de abrir a porta e sair pelo corredor adentro. Catarina apareceu em seu campo de visão e nem ele soube dizer o que sentiu ao ver que ela estava ali, a sua frente, bem.
- Desculpa vir sem avisar, Nina, mas...
- Ah, Isco, ainda bem que você está aqui... - a mulher disse repentinamente e para sua completa surpresa, se jogou contra ele e antes que ele sequer pudesse entender o que estava acontecendo, começou a chorar. - O Ben morreu!! - exclamou pesarosa e o jogador sentiu seu peito se comprimir, finalmente devolvendo o abraço na mulher.
- Ah Nina, eu sinto muito. - a confortou, sem conseguir evitar se emocionar. Por mais que só o tivesse visto uma vez, tinha ouvido tantas histórias sobre ele, que se sentia próximo ao senhorzinho. - Eu não acredito, o que aconteceu?
- Ele só... Se foi. - a mulher explicou, se soltando de seu abraço e só então ele notou como ela estava abatida, cansada.

Quando pôs seus olhos sob a mulher estava tão preocupado em ter certeza que estava tudo bem fisicamente com ela, que não percebeu como seus olhos estavam vazios e completamente sem vida.

- Quando foi isso? - perguntou carinhoso e Nina abriu espaço para que ele entrasse na casa.
- Ontem a tarde. No dia do acidente do Isco, eu estava saindo do hospital quando a Tina me ligou. - explicou, sobre a enfermeira que cuidava de Ben quando ela ia embora ou estava de folga. - Ela disse que ele não estava nada bem de novo e eu vim direto pra cá. Eu não queria acreditar, sabe? Mas ele passou os últimos quatro dias de cama, até que ontem ele se foi.
- Eu sinto muito mesmo, Nina. Eu estou tentando falar com você há dias, eu pensei que você estivesse me ignorando, mas quando o Isco me disse que a Ella não tinha ido pra escola a semana toda, fiquei preocupado. - explicou, sentando no sofá da sala.
- Nossa, eu acabei nem perguntando, como ele está? - a mulher enxugou as lágrimas, o encarando interessada e Francisco se sentiu tolo por sequer ter pensado que ela o estava ignorando. Numa situação como aquela e ela ainda se preocupava com seu filho.
- Está ótimo, colocaram uma tala na mão até sarar e depois vamos voltar ao médico pra ver se vai precisar de fisioterapia. Só faltou um dia na escola, queria mostrar pros coleguinhas o machucado. - riu fraco, se lembrando da cena.
- Ah que bom, eu estava preocupada com ele. Mande um beijo meu quando falar com ele de novo. - pediu e o jogador assentiu, com um sorriso de lado. - Você quer um café, um chá?
- Eu não quero atrapalhar, Nina. Eu só precisava saber que vocês estavam bem. - se explicou, indeciso sobre tocar ou não, na mão da mulher.
- Eu teria te ligado, Isco, mas estou aqui desde aquele dia. Ainda não fui pra casa. - explicou, e as coisas fizeram um pouco mais de sentido para ele - Meu celular está sem bateria e esqueci o carregador em casa. Eu não sei seu número de cor ainda. - o buraco que ele vinha sentindo em seu estômago desde o dia que deram um tempo, pareceu finalmente diminuir.
- E a Ella, como está? Onde ela está? - perguntou curioso, olhando ao redor para ver se via a pequena.
- Com meu pai, ele veio passar o dia aqui com a gente. Ele foi em casa buscar algumas roupas e meu carregador e depois ia levar a Ella para fazer alguma coisa. Ela tem sido tão compreensiva, mas estava me dando pena vê-la o dia todo na frente da TV. Eu e a Cora também não paramos de chorar, Ella é muito novinha pra ficar num ambiente triste como esse. Mas amanhã depois do enterro, finalmente vamos para casa.
- Se você quiser... - Isco iniciou, mas então se lembrou que não tinham mais nada - Não, nada...
- O quê? - perguntou, colocando a mão sob a sua e Isco sentiu sua garganta queimar. Tinha sentido falta de seu toque.
- Eu sei que... Que não estamos mais juntos, mas se você quiser eu posso te ajudar com a Ella nesses próximos dias. Se você precisar de um tempo pra você, eu posso pegar ela amanhã depois do enterro e ela dorme lá em casa com o Isco Jr., sem problemas. Eu levo os dois na escola e deixo ela de volta no dia seguinte.

Catarina abaixou os olhos encarando suas mãos, sentindo a já conhecida dor na garganta voltar com força. Nem ela sabia se era possível chorar tanto e ainda ter lágrimas para derramar. Tinha certeza absoluta de seus sentimentos por Isco e mesmo após ela ter fugido dele por tanto tempo, ele ainda se preocupava com ela com a mesma intensidade, cuidado e carinho de sempre.

- Isco, eu preciso me desculpar com você. - soltou o encarando e o jogador franziu o cenho ao ver as lágrimas novamente nos olhos da mulher. - Eu sei que é minha a culpa de não estarmos mais juntos, eu só... Eu estou tão cansada, toda vez que eu acho que as coisas estão melhorando alguma coisa acontece e me lembra que nem todo mundo merece um final feliz. Eu não sei o que foi que eu fiz de tão errado nessa vida pra merecer tudo isso. - confessou, sentindo as lágrimas caírem por seu rosto.
- Não pensa assim, Nina. - Isco a puxou para si, a abraçando - A vida às vezes pode ser bastante injusta, mas todo mundo merece ser feliz, principalmente você. Se eu pudesse, trocaria tudo o que tenho pra não te ver falar assim.
- É difícil não pensar assim, quando nada dá certo pra mim, Isco. Até quando dá, eu me auto saboto. - resmungou bufando e ele soube que ela se referia a eles - Eu nunca quis te magoar, eu nunca quis te perder. Sei que provavelmente é tarde demais, mas, eu sinto muito por ter sido tão fraca, por não ter te contado tudo sobre a minha vida desde o começo...Talvez a gente ainda estivesse junto. Eu também nunca imaginei que o cara que eu conheci numa loja de brinquedos, ia se tornar alguém tão especial em minha vida. - disse sorrindo com a lembrança.
- Nina, se você soubesse tudo que eu sinto por você. O que eu fiz...Foi por você, por nós. É horrível a sensação de impotência, ver nos seus olhos toda essa dor e não saber nem por onde começar. Me doía fisicamente quando você se fechava pra mim, sendo que tudo que eu sempre quis foi só que você me deixasse entrar, me deixasse te ajudar a ver que o mundo não é só dor. Sei que não sou perfeito, mas eu nunca quis ninguém como eu te quero e eu quero muito te fazer feliz. Você é tão nova, tem o mundo todo pela frente e eu quero estar ao seu lado quando você o conquistar.
- Eu não sei o que você viu em mim, Isco. Não sei se mereço tudo isso, não depois da forma que te tratei...Mas, - Catarina se aproximou ainda mais do jogador, tocando na barba que ela tanto amava e sentia falta de acariciar. Isco pôs suas mãos sob a dela, não querendo que aquele momento se acabasse. Ela levou sua outra mão ao rosto do jogador e selou seus lábios ao dele, num selinho que pareceu durar uma eternidade e que deixou saudade no segundo que ele terminou. - Eu realmente precisava te ver. - confessou, o abraçando forte. - Eu não sabia do quanto eu precisava disso, Isco. De te ver, ouvir a sua voz, sentir o seu toque... Obrigada por não desistir de mim, nem quando eu fiz de tudo para que você o fizesse. - confessou o olhando no fundo dos olhos e antes que ela tentasse se afastar, Isco a apertou novamente, mostrando que contanto que ela quisesse, ele sempre estaria ali.

Nina percebeu que por muito tempo usou do medo para proteger a si mesma, todas as pessoas que ela amava, de uma forma ou outra haviam lhe abandonado, seus pais, o pai de Ella, Ben. Já bastava o medo irracional de perder Fiorella que a acompanhava todos os dias, agora ainda tinha Isco, tão perfeito. Parecia ser bom demais para ser verdade para alguém como ela, tão bom que ela mesma se encarregou de o afastar. Mas talvez, assim como tinha acontecido com seu pai, Isco ficaria. Mesmo com todas suas tentativas, ele ainda estava ali e se ele tinha toda aquela certeza sobre eles, ela também teria.
Após Catarina finalmente se acalmar, Isco se ofereceu para ajudá-la. Apesar de Cora morar com o marido no local, o fazia apenas pelo pai, que não queria se mudar da casa onde tinha vivido com sua esposa e criado todos seus filhos e netos. Nina sabia que era questão de dias para que ela fosse colocada a venda, mas Cora já havia a tranquilizado, assegurando que ela ainda trabalharia para eles por mais alguns meses.

- Mamá, adivinha quem chegooooo. - Fiorella gritou da porta de entrada, fazendo Nina rir. Ela e Isco estavam na sala de TV, olhando os filmes em VHS que Ben guardava num armário.
- Quem, meu amor? - a mulher respondeu da sala, pedindo para Isco se esconder em algum lugar.
- Eu!!!! - a pequena apareceu com seu pai em seu campo de visão e ela se abaixou pra pegar a menina no colo.
- Eu tenho uma surpresa pra você, princesa.
- É bolo de chocolate?! - a menina disse animada e Catarina pode ouvir Isco dar uma risadinha, atrás do móvel que se escondia.
- Não, melhor. Fecha os olhos. - pediu, vendo o pai a encarar curiosa e Ella colocar as mãos sob os olhinhos. Isco andou na ponta dos pés até as duas e se postou de frente para a pequena. - Pode abrir.
- Tio Isco!!! - Ella gritou animada, se jogando nos braços do jogador, que a rodopiou no ar algumas vezes, antes de abraçá-la - Que saudadiiiiinha.
- Eu também, princesinha, eu também. - o jogador depositou um beijo no rosto da menina, que retribuiu com outro, o enchendo de amor. - Onde você estava?
- Eu fui no parque com o vovô e depois a gente comeu no McDonaldi. - a menina dizia com as mãos na barba do jogador e só então Isco reparou no homem que os encarava, abraçado à filha e com um sorriso no rosto.
- Olá, sou o Francisco, muito prazer. - se aproximou levemente tenso, oferecendo a mão ao mais velho.
- Gonzalo, um prazer. - retribuiu - Fico feliz em saber que você apareceu, eu falei pra minha filha te ligar, mas ela não me ouve.
- Papai! - Catarina o encarou envergonhada e Isco deixou uma risadinha nasalada escapar.
- Eu deveria ter percebido antes, eu poderia ter ajudado mais.
- O importante é que você está aqui agora. - Gonzalo o assegurou - Eu trouxe seu carregador - disse tirando o objeto do bolso - Coloque-o pra carregar. - pediu a filha, se virando para o jogador - Vocês querem um café?
- Eu faço, pai.
- Não, eu ainda sei fazer um café, você precisa descansar e se distrair um pouco. Por que vocês não vão ao jardim e os encontro lá?
- Tudo bem. - Nina agradeceu, dando a mão para a filha.

Isco decidiu ajudar Gonzalo com as bebidas. Sempre tivera curiosidade em conhecer alguém da família de Nina e não poderia estar mais surpreso com a reação inicial do homem, muito mais tranquila que a de Ben.

- Eu realmente estou feliz que tenha aparecido, Francisco, a Nina pode ser bem difícil quando quer. Se eu soubesse seu telefone, teria te avisado. - o mais velho sorriu simpático para o jogador.
- Eu não sabia que o senhor sabia sobre nós.
- Ela demorou pra me contar, mas eu já imaginava que ela tinha conhecido alguém especial. Eu soube no momento que ela falou de você a primeira vez que isso entre vocês era diferente. - Gonzalo confessou, reparando em Isco, que o encarava curioso. - O que foi?
- Eu não sei... - ele coçou a cabeça tímido - Não imaginei que fosse ser assim se um dia te conhecesse, o senhor me surpreendeu. Acho que estava esperando pelo pior.
- Eu já fiz mais o papel do pai bravo, inclusive com o pai da Ella, mas depois de tudo, eu só quero ver minha filha feliz e confio nela para tomar a melhor decisão. Faz tempo que não a vejo assim e dá pra ver que é recíproco.
- Muito. - Isco concordou sem a menor vergonha.
- Eu aconselhei a Nina a te contar tudo há muito tempo, mas desde pequena ela tem dificuldade em se abrir. Sei que sou o pai dela, mas estou torcendo de verdade por vocês.
- Obrigado, Seu Gonzalo. Eu estou muito feliz em poder finalmente te conhecer.
- Eu também, meu caro. Eu também.

Nobody Matters Like You | Isco AlarconOnde histórias criam vida. Descubra agora