Parte 2: Uma raposa no caminho

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Os goblins costumam ser bons nadadores. Mas devido à circunstância, a travessia do rio acabou sendo um grande desafio. O rio não era tão largo, mas o cansaço, a água extremamente fria e a forte correnteza quase decretaram o fim da tentativa de liberdade. O pequeno goblin colocou todas as suas forças no esforço de vencer esse último obstáculo.

Assim que entrou na água foi logo arrastado pela correnteza. Para um humano comum, o rio já se mostraria um razoável obstáculo. Para um diminuto goblin, exausto e ferido, a travessia era questão de vida ou morte.

Quando já estava no meio do caminho, já tendo afundado algumas vezes e temendo se afogar, avistou um ponto de apoio. Uma pedra no meio do rio foi sua boia de salvação naquele momento, um ponto onde se agarrar e descansar alguns segundos. A água continuava tentando arrastá-lo, batendo no seu corpo com força, dificultando a visão. Mesmo assim conseguiu ver a outra margem mais próxima. Ficou contente, mas não por muito tempo.

- Não pense que vai escapar, bakemono – disse uma voz vinda da margem oposta.

Ao olhar para trás, o goblin viu os dois samurais que estavam na encosta. Um deles com a espada em punho e o outro já realizando movimentos com as mãos. O goblin sabia que nada bom vinha depois daquilo. E foi o que aconteceu.

O samurai inspirou profundamente o ar, arqueando o corpo, e logo em seguida soprou com toda a força. Nenhuma criatura poderia soprar o ar daquela forma, com aquela intensidade. A poderosa lufada de vento saiu cortando a superfície da água em alta velocidade. Ao pequeno goblin, vendo a morte chegando em forma de vento, só restou, utilizando de todas as forças para isso, tentar se esconder atrás da pedra.

A rocha explodiu em vários pedaços ao ser atingida pela força do vento. O goblin foi arremessado e sentiu seu corpo deslizar pela água e atingir a areia na outra margem. Ironicamente o feitiço que pretendia matá-lo, acabou ajudando na travessia, mesmo que a duras penas.

O goblin demorou um pouco para entender que, apesar dos ferimentos na pele e a surdez momentânea, ainda permanecia vivo. Sangrando devido aos cortes provocados pelos cascalhos, concentrou forças e ergueu-se com muita dificuldade, ainda sentindo-se atordoado.

- Veja, Ikemoto, a criatura resistiu à sua Bomba de Vento – falou o samurai com a espada na mão.

- Desgraçado – disse o outro – Esse merece ser morto devagar, para aprender a não dar tanto trabalho.

Ao ouvir as ameaças, o goblin partiu em disparada bosque adentro. Sabia que a caçada ainda não tinha terminado.

Apesar dos ferimentos e da sensação de perigo que não passava, o goblin não conseguiu evitar de ficar fascinado com aquele lugar. De fato nunca havia visto tantas árvores num mesmo local. Eram de todas as formas e tamanhos, e além disso possuíam cores deslumbrantes.

As folhas amarelas, rosas, verdes e azuis balançavam ao sabor do vento num balé encantador. Por um momento o pequeno goblin ficou hipnotizado enquanto adentrava ainda mais no bosque, sem direção definida, perdido e mergulhado numa sensação calmante que amenizou suas dores. Estava tão envolto na aura de tranquilidade que não percebeu a aproximação de seus caçadores.

O samurai agarrou o goblin pelos trapos vestia e suspendeu a criaturinha para encará-la. O goblin se debatia em vão diante da mão firme do guerreiro. Tudo que não queria era voltar para aquelas minas escuras. Seus olhos se encheram de lágrimas quando pensou que todo o esforço pela fuga não tinha dado em nada.

- Achou que eu desistiria facilmente, seu bakemono imprestável? - disse o samurai que havia usado a feitiçaria do vento.

- Tem certeza que foi uma boa ideia vir atrás desse goblin nesse lugar, Ikemoto? Aqui é o Bosque das Cerejeiras. Você sabe o que as histórias dizem sobre essas árvores, não é? - falou o outro samurai.

- Sim, eu sei, Haguro. Ainda bem que conseguimos pegá-lo antes de adentrar demais no bosque. Agora vamos sair daqui, pois já estou sentindo os efeitos desse maldito lugar.

O goblin tinha parado de tentar escapar, entristecido com a virada sombria do seu destino. Mas ele estava enganado.

Assim que se viraram para retornar às terras do clã Jihu, os dois samurais perceberam um vulto cair das árvores logo a frente.

- O que querem em nossa terra, samurais? - disse a criatura de pelos brancos, sua cauda balançando nervosa. Usava um belo kimono também branco, com detalhes pretos em forma de runas, amarrado na cintura por um cinto de couro. Seu rosto uma harmoniosa mistura entre o humano e o animal, com grandes orelhas no alto da cabeça. Pelo tamanho, parecia uma jovem guardiã.

- É uma Kitsune – falou Haguro, apreensivo – Sabia que entrar aqui era uma péssima ideia.

- Silêncio, Haguro – ordenou Ikemoto e logo depois falou com a guardiã do bosque – Não queremos problemas com o povo-raposa. Só viemos aqui atrás de um fugitivo que nos pertence. Isso não é responsabilidade sua.

- Tudo que entra neste bosque é de nossa responsabilidade, samurai. E aqui em nosso lar não permitimos violência contra nenhuma criatura.

- Não ligo para suas leis, raposa. Agora saia do caminho e tudo vai ficar bem com você.

- Não posso permitir – disse a kitsune – É a nossa lei.

- Tem certeza que quer nos enfrentar, jovem raposa? – O samurai chamado Ikemoto viu que a kitsune não saiu do lugar e assumiu posição pronta para o embate. O mesmo jogou o goblin no chão e sacou a espada katana – Tome conta do bakemono, Haguro. Vou tirar esse obstáculo indesejável do nosso caminho e depois vamos embora.

A Sociedade da LançaWhere stories live. Discover now