O interior da casa não é o que eu esperava. A julgar pelo exterior, pensei que entraria em uma sala pequena com móveis escolhidos a dedo, pintura decente e uma boa iluminação; Lívia disse que André é artista e que precisa de iluminação adequada para exercer seu trabalho. Bem, a parte da sala ser pequena eu acertei, mas apenas isso. A mobília é praticamente inexistente, as paredes são pintadas de um tom pavoroso de verde e está descacando em vários pontos. Em alguns lugares é possível ver o reboco, em outros dá para ver pedaços da antiga pintura. No centro da pequena sala há dois sofás, um amarelo canário e outro vermelho escuro. Entre os dois sofás, uma mesa de quatro cadeiras, sem as cadeiras e que está sendo usada como mesa de centro. E falta um pé na mesa, que foi substituído por um em, Lívia me disse que André se mudou para cá só a algumas semanas, mas creio que seja tempo o bastante para mobiliar a sala de maneira adequada. Não quero nem ver o resto da casa.
Eis o ambiente em que me encontro. Mais parece o cafofo de um drogado que qualquer outra coisa. Há um grupo de pé em um canto com garrafas de cerveja nas mãos e cigarros de maconha na outra. Estão todos vestidos com seus melhores trapos. Roupas sujas e rasgadas, como se não vissem um chuveiro a dias. No sofá vermelho, uma garota injeta heroína na veia enquanto o rapaz sentado ao seu lado parece muito doidão e cheira uma carreira de cocaína atrás da outra. Um casal muito bêbado se agarra perto da janela, a garora já sem a blusa e o sutiã, se ela algum dia esteve usando um. Estou em um antro de bebidas, drogas ilícitas e sexo. Não quero estar aqui, nem mesmo pela Lívia. Como se lendo meus pensamentos, ela surge ao meu lado com seu sorriso de menina capaz de derreter o mais frio dos corações.
—Está se divertindo? —Ela pergunta com um ar tão inocente que me questiono se ela sabia a que tipo de festa estava me trazendo.
—Claro. Estou adorando bater papo com um monte de viciados.
—Relaxa, ruiva. Os amigos do André são um pouco...liberais, eu diria. —Ela faz uma careta antes de segurar em meu braço e me arrastar para o sofá amarelo. —Senta aqui, vou pegar uma bebida para você. Tenta ser um pouquinho sociável, tá?
Ela se afasta antes que eu tenha tempo de protestar e olho para o sofá. Há uma mancha bem suspeita nele, algo muito semelhante a sêmen, então permaneço de pé, sendo completamente ignorada por todo mundo aqui. Lívia volta em questão de segundos, trazendo uma garrafa de cerveja e me entregando.
—Estou indo embora, Lívia. —Digo, estendendo a garrafa de volta para ela, que se recusa a pegar, então coloco sobre a mesa de centro improvisada.
—Fica, Allê. Por mim. Não conheço metade dessa gente e a outra metade está se drogando ou transando em público. Por favor, não me deixe aqui sozinha com essas pessoas. —Ela suplica, seus olhos azuis marejados de lágrimas. Reviro os olhos, mas pego a cerveja de volta.
Lívia tem essa mania de me convencer a fazer o que não quero. Geralmente ela consegue. Sigo o exemplo das pessoas aqui e me recosto em uma parede, eu é que não vou me sentar naquele sofá imundo. Minha melhor amiga se põe ao meu lado e ficamos conversando por um tempo, olhando as pessoas aqui. Vez por outra ela se afasta para buscar outra cerveja para mim. Meu Deus, esse não é meu mundo, nem o da Lívia. Mas ela faz de tudo pelo Fernando e eu faço de tudo por ela.
Logo me vejo sozinha outra vez quando Fernando aparece cheirando a bebida, diz alguma coisa no ouvido da Lívia e ela some com ele, em meio a risadinhas e mão boba. Essa é minha deixa para ir embora. Mas meus planos são vetados pela aparição de André. Ah, finalmente o anfitrião da festa decidiu dar as caras.
—Alessia, oi! —Ele me cumprimenta todo animadinho, mas diferente das pessoas aqui, não parece bêbado e nem drogado.
—Oi. —Segue um silêncio constrangedor. —Casa legal.
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Coração De Gelo
RomanceAlessia é uma jovem veterinária com um passado difícil carregado de fantasmas com os quais nem ela mesma sabe lidar. Erick é um jovem empresário em busca de sua alma gêmea. O acaso o leva até Alessia. Era para ser apenas uma relação profissional, ma...