Planos mudam, pessoas também

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As vezes deixo os cachorros dormirem dentro de casa. Eles sobem na minha cama e se apoderam dela comigo em cima e tudo mais. Eu gosto, porque faz eu me sentir menos sozinha. Geralmente eu os deixo dormirem comigo quando tive um dia ruim, ou quando o dia foi melhor do que eu esperava. Hoje deixo eles dormirem aqui porque ver o Ragnar me fez perceber o quão sortuda sou por meus cães serem saudáveis.

Talvez contra minha vontade, passei a tarde na clínica com Erick e Ragnar. Bem, eu queria ficar com o Ragnar e o Erick não ia embora de jeito nenhum, então acabamos ficando os dois lá, com ele me enchendo a paciência a maior parte do tempo. No final da tarde ele saiu e achei que tinha finalmente ido embora, mas ele voltou uns dez minutos depois com refrigerante, biscoitos, pãezinhos e pasteizinhos. A desculpa dele foi que tínhamos passado a tarde nos preocupando com Ragnar e esquecendo de comer. Eu quis mandá-lo embora, mas eu estava faminta.

Nós comemos e conversamos. Ele é bem pra frente, com uma mente muito pervertida para o meu gosto. Mas ele se mostrou um cara legal e percebi que foi realmente muito bom passar um tempo com um ser humano que não seja a Lívia. Não me levem a mal, ela é minha melhor amiga e gosto de passar meu tempo com ela. Mas minha vida se resume em duas coisas: Lívia e animais. É uma vida deprimente para uma mulher jovem como eu. Quero dizer, acabei de fazer vinte e sere e quais são meus objetivos? Meus sonhos? Eu não tenho.

Viver um dia de cada vez. Esse é meu lema. Muito tempo atrás, a vida me ensinou que nada sai como planejamos. Aos sete anos eu só queria ser amada. E fui. Depois da minha adoção, fui uma criança amada. Fria, fechada, isolada em meu próprio mundo. Acho que é isso que acontece quando os pais biológicos são viciados. Não tive infância. Era basicamente cuidar dos meus pais drogados. Então eles morreram. Mas era tarde demais. Eu já tinha sido marcada emocionalmente pelos abusos que sofria. Até hoje meu corpo tem as cicatrizes.

Aos doze minha mãe morreu. Aos dezesseis, eu quase morri. E foi quando eu aprendi que não planejamos a vida. Ela simplesmente acontece. Mas ainda assim as pessoas se dão ao trabalho de planejar tudo. Formar aos dezessete, faculdade aos dezoito, conhecer a Europa antes dos trinta, casar, ter filhos (ou não). Eu também tinha planos para a vida toda, mas eles mudaram. Pessoas mudam, planos mudam. A vida simplesmente acontece sem que tenhamos controle sobre isso. Em um dia eu era uma adolescente problemática que só dava dor de cabeça ao meu pai. No dia seguinte eu era uma adolescente em um leito de hospital, entre a vida e a morte.

Não escolhi viver. Não escolhi morrer. Na maioria das vezes, a gente não escolhe essas coisas. A vida escolheu me dar uma segunda chance. Não sei se estou fazendo certo. Não sei se existe um certo e errado quando se trata de viver. Só sei que a muito tempo eu não vivo, apenos levo uma existência vazia e sem propósito. Eu amo os animais e um dia meu objetivo era ajudá-los. Planos mudam, pessoas também.

Agora me contento em apenas viver um dia de cada vez. A única certeza que todos temos é um dia vamos morrer. E agora, deitada em minha cama com um livro em mãos e os cães tomando conta do colchão eu me pergunto: eu fiz tudo que podia? Eu vivi tudo que podia viver?

A resposta é não. Tenho me mantido presa ao passado e esquecido de viver o presente. De alguma forma, passar a tarde com Erick me fez perceber isso. Talvez por ele se parecer tanto com o cara que me quebrou. Talvez essa seja a maneira da vida me dizer que está me dando uma terceira chance. Talvez...talvez esteja na hora de começar a viver de verdade.
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Não sei quando foi que adormeci. Só sei que acordo com o som estridente da campainha e Gigante latindo nervoso em meu ouvido. É difícil dizer qual som me acordou. Jogo as cobertas para o lado e Gigante salta para o chão, correndo (a definição dele correndo é ele andando o mais rápido que as perninhas roliças permitem) para a porta, latindo freneticamente. Bella e Afrodite estão disputando um bichinho de pelúcia surrado, Zeus está perseguindo os gatos. E eu me arrasto para atender a porta, esquecendo que estou usando apenas um baby doll branco ou bege, sei lá a cor disso, com detalhes em renda preta.

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⏰ Última atualização: May 21 ⏰

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