Mariana Kriola, a História

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-- Que mãe dá o nome da própria filha ao seu maior sonho, um salão de beleza? Lucrécia.
Às vezes, Mariana, queria os caracóis, queria a pele clara, os lábios pequenos, o nariz fino. Nesses dias, a mãe recordava-a da beleza singular com que Deus lhe abençoara. Sempre, sempre, sempre, antes, a meio, depois... De terminar o cabelo dela, a mãe fazia perguntas como: "Quem te ensinou a odiar o que Deus te deu?" , "O que a minha cor te diz?". Nos dias seguintes, depois das aulas, ajudava a mãe no salão, era para ser algo breve, mas quando deu por si já lá iam, uns seis anos, a ajudá-la. Quando atingiu a maioridade foi para Portugal tirar o curso de Ciência Política.
No ano em que se licenciou, Lucrécia teve uma paragem cardíaca e não sobreviveu. Voltou para casa e cuidou do salão da mãe, nele conheceu uma menina, cujo, nunca soube o nome, tinha o seu contacto guardado como: "Minha menina". Durante três anos tocou nos seus fios capilares e de poucas palavras reparava na luta. Fios estragados dados os relaxamentos, cortes para o cabelo natural. PIM!PAM!PUM! O cabelo estava grande, quando ela o esticou e a menina chorou. Valeram a pena todos os franzir dos olhos, de sombracelhas, o apertar do nariz e encolher dos ombros, de modo a suportar a dor capilar... "Tudo o que é de preto dói!" Dizia-lhe Lica.
Mais um dia, mais um entardecer a cuidar do cabelo da menina, depois de um bom caldo de mancarra. Às vezes três, às vezes quatro, amiga de Lica aqui e histórias das festas no Bairro Alto, ou sobre as prendas dos namorados, ou o velho da rua a prometer pagar almoços e lanches.
Nunca mais voltou a ver a menina, depois de recusar fazer aos pais, outra vez um desconto. Fim das histórias sobre os pulas por quem a menina apaixonava-se, casos policiais, memes, conselhos, risadas, as conversas mais aleatórias...
Caiu-lhe uma lágrima, o coração apertou, mas disse: "Ela levou o significado de "união feminina" na alma, fica calma", e sorriu.
Nessa noite a caminho de casa, levou uma bolada. Um moço veio buscar a bola e perguntou:
-- Morreste? -- Estendeu a mão -- Artémio Nainco. -- E sorriu.
Lica, levantou-se e foi-se embora.
Desde então, sempre que podia, ia vê-lo jogar à bola. Nainco era alto, musculado, muito escuro e tinha uns olhos misteriosos. Trabalhava e jogava futsal com os amigos em dias intercalados.
Geralmente, entre as amigas, familiares de alguns jogadores, lá estava ela, Lica, só Lica, para ver Nainco. O moço ascendeu e foi tendo mais atenção, sobretudo, das turistas. Lica ia tentar, mas, a preferência dele eram mulheres claras, sobretudo, por causa de opiniões alheias. Um olheiro português vi-o e quis levá-lo para Portugal, mas, a um mês da sua ida, durante uma das suas corridas noturnas, ouviu um chorar entre os arbustos. Aproximou-se e estava uma mulher ensaguentada, já sem vida, tanto como, um bebé de dois anos a uns 6 metros de distância. Afastou de entre os arbustos, pegou e elevou-o com os braços dizendo:
-- Tens dois arranhões na cara, leãozinho.
-- Roaaar -- Disse o pequeno, numa voz mocinha, imitando com braços um leão a rugir. Riram.
Nainco vivia na casa dos pais, mas mesmo assim, levou o pequeno tomou e  conta do pequeno lá, clandestinamente.
Contudo, os hábitos do moço de vinte e três anos não se alteraram, tanto que, numa noite em que Lica passou pela casa dos pais de Tó.
-- Boa noite tia! O Tó está cá?
-- Não, não está cá ninguém, Lica, queres entrar e esperar por ele?
De repente, viu um bebé mulato, de juba castanha-clara crespa, muito despenteada, e vestido com uma roupa, eventualmente, de boneca, a gatinhar...
Já Denilson dormia, Nelson, também muito ensonado, apanhava uma parte ou outra da história. Cristina e Joana acompanhavam atentamente e Joel até ressonava.
-- Lucas, ajeita só a Jacira -- Disse Kilson.
Jacira estava de boca aberta, torta sem cair, para o lado oposto de Lucas.
-- Até quando? -- Acrescentou Kilson.
Lucas baixou a cabeça e colocou, ternamente, Jacira sobre as suas pernas, fazendo festinhas na cabeça dela. Kilson não obteve resposta, então, prosseguiu.
-- Rapidamente, num cavalar de emoções, entrou, comeu, pediu para ir à casa de banho e tratou do bebé. Deixou um bilhete na cama de Tó e saiu com o pequeno junto à sua barriga, tapando-o com uma manta.
Levou, leãozinho, para o salão da sua falecida mãe, onde tratou-lhe do cabelo e deu de comer. Leãozinho ficou nas suas costas, enquanto trabalhava. Tó saiu e foi para o salão muito preocupado, dizendo que não dera pelas horas a jogar à bola. Mas uma cliente de Mariana já lhe tinha dito, que ele estava num boda com os amigos.
A uma semana, para a sua ida para Portugal, chamou-lhe a casa Mateus, muito exaltado. Disse-lhe que leãozinho estava envolvido numa confusão perto do salão de Lica. Foram em fuga para um mato, Tó nem desconfiou, só pensava no bebé. No fundo era uma cilada e foi espancado e roubado.
Quando acordou, Mariana, estava debruçada sobre as suas pernas, a soluçar, orando, só entendou o seguinte: "que ele volte a fazer magia com a bola, por favor!". Passou-lhe as mãos pelo lenço colorido que cobria os seus cabelo e disse muito pausadamente:
-- És a minha estrela.
-- Tó, desc...
-- Não...As estrelas revelam-se à noite e não ao dia, mas elas...Estão lá. És a... minha estrela, estiveste sempre aqui... mesmo quando não te via.
Desde então, ensinou, leãozinho, a jogar futsal, já o menino tinha os seus sete anos.
-- Estás a superar o mestre cassule -- Dizia todas as vezes, que fazia uns truques mágicos, que nunca lhe ensinara. Mas que Lica lhe mostrara em vídeos que tinha feito, nos tempos em que Tó quase tinha alcançado o estrelato.
Um dia, o menino desapareceu, não estava no salão com Lica, nem no seu apartamento. "Zinho! Zinho! Zinhooooo!" Gritava pelas ruas de Mansabá. Em casa, desesperado viu uma mensagem no seu telemóvel de uma das suas ex-namoradas que era turista no país.

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