Capítulo 11

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A mansão de quatro andares, que continha setenta e dois quartos, era consumida por um vazio carregado do silêncio arrastado pelas almas que a habitavam. A luz que adentrava era fria como se fosse apenas uma ilusão. Por vezes, algumas cortinas se moviam, abrindo ou fechando, sem mãos vivas e físicas tocarem-na. Pratos de comida simplesmente apareciam na mesa, já servidos, sempre para duas pessoas. O chá aguardava o dia todo, mantendo sua temperatura ideal, na mesinha baixa à frente do grande sofá branco de três lugares que pousava placidamente sobre o tapete de cor pálida. Pronto para ser servido nas duas xícaras de cerâmica de osso, no bule sempre soltando uma fumacinha sutil, o chá parecia esperar por alguém.

Cricket olhava para a grande porta de vidro, sentado de pernas cruzadas no sofá da sala de estar, levando uma das xícaras à boca pálida. O homem alto, de feições joviais e divertidas, quase delicadas acompanhadas por sobrancelhas de um cinza-desbotado, roçava a ponta dos dedos pelo cravat de linha verde, bem amarrado com uma pedra igualmente verde no nó. Os ombros largos eram cobertos pelo sobretudo bege, que combinava em cor e estilo de costura com a calça.

A claridade de fora inundava o cômodo graças ao tamanho das portas, porém, ninguém de fora poderia enxergar a mansão devido a manipulação minuciosa de imagem e iluminação do proprietário. Sua boca curvou-se num sorriso, os olhos acastanhados brilharam. Repousou a xícara no pires.

— O passeio foi bom? — perguntou a ninguém em específico, lançando a pergunta no ar. Não havia problema, no entanto. Cricket era muito paciente.

— Nah. — alguém resmungou atrás dele após um tempo, sentando no encosto do sofá. — As coisas estão muito lentas.

— Então dê um motivo para acelerarem, simples. — o homem de cabelos finos e ondulados com pontas que iam para todas as direções virou-se para Yoma. — Quer chá?

— Pra lá com essa água suja. Humpf. Acho que se eu matar uns dois não vai resolver, já pensei sobre isso. — o Matéria Escura resmungou.

— Seja paciente. A pressa é inimiga da perfeição.

— Se a perfeição existisse, talvez fosse, mesmo.

— Senti sua falta! — Cricket riu.

De repente, Yoma coçou a cabeça com força por entre os cabelos brancos e rolou para o sofá, forçando Cricket a levantar. Passou a narrar o encontro com Jobusen na noite anterior, reclamando a cada pausa sobre a quantidade de sachês para gato que ele levou e a pouca variedade. Apenas dois! Jobusen estava ficando abusado. Queria descontos nas informações e não lhe dava ninguém para brincar. O que mais ele poderia fazer? Estava cansado, irritado e frustrado. Por vezes ronronava de prazer, citando com gosto detalhes como Jobusen ter lhe procurado com uma voz arrastada e olhos opacos, apreciando a lembrança. Cricket soltou uma risada que seu Matéria Escura nem sequer ouviu; ele também se diverte com Jobusen. Yoma continuou, imparável, contando detalhes inúteis e o Laítha deposto sentou na mesinha, voltando a tomar o chá enquanto deixava o outro tagarelar pelos cotovelos.

Entretanto, entre informações incongruentes, raciocínios destrambelhados, suspiros felizes e irritação crônica, algumas coisas importantes foram expostas e Cricket sentiu-se mais do que satisfeito.

— Hey, velho! — Yoma puxou Cricket que manipulou o líquido da xícara de volta para dentro num reflexo rápido para não derramá-lo.

— Diga, meu jovem de mesma idade que o velho! — Cricket brincou.

— Estou falando com você! Quantas são agora? Mil e duzentas?

— Achei que você estivesse contando. — Cricket sabia que ele estava se referindo às almas que eles mantinham ali. — E como você não para de falar, não paro de ouvir. Talvez um dia, se eu for surdo. — respondeu à primeira frase do outro, divertido. Yoma gargalhou e girou o corpo para pendurar as pernas no encosto do sofá, encarando o Laítha de cabeça para baixo.

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