Capítulo 6

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Por Charlote

A viagem foi cansativa. A falta do meu Senhor me corroía à medida que ia me afastando do nosso ninho. Era a primeira vez que iríamos ficar tanto tempo tão longe. Mas algum dia era preciso sair dos braços dele para visitar a minha família. Sentia-me a filha ingrata, que enriqueceu, e virou as costas para as pessoas que me colocaram no mundo. Meus pais ainda não conheciam meu filho, que já estava crescendo, e jamais ouviu falar sobre os avós. Sei que sou uma mulher de sorte por ter um esposo compreensivo e dedicado, mesmo sendo ele, dominador. A maioria dos homens comuns não possui um terço de suas virtudes.

O pequeno Diego já estava inquieto dentro da carruagem. A todo o momento queria descer, ou chamava pelo pai. Eu tentava o distrair com os pequenos brinquedos e guloseimas que trouxe, mas não durava muito tempo para começar a chorar. Nós momentos em que dormia, eu ficava acariciando seu rosto e cabelos, era muito parecido com o pai. De mim, saiu apenas os olhos azuis e os cabelos claros.

Agora faltava pouco... Meu coração estava acelerado, como sentia falta de ver minha mãe fazendo o café na cozinha, com seu velho avental xadrez, e o lenço caqui envolto nos cabelos. Lembro dos seus conselhos amorosos, éramos grandes amigas... Espero que ela não tenha guardado nenhum ressentimento de ter passado tanto tempo longe dela. Gostava de ver meu velho pai, encostada a porta da cozinha, quando era final de tarde e ele voltava da labuta. A pele sempre queimada pelo sol, mãos calejadas e o suor descendo pelo rosto. Tínhamos tão pouco, mas éramos muito agraciados pelo amor e respeito. Não sei se compreenderiam o estilo de vida que tenho hoje, mas ficaria muito feliz se pudesse trazê-los para morar conosco no castelo. Seria maravilhoso para o pequeno Diego crescer na companhia dos avós, e tenho certeza de que meu Senhor não iria se opor. O mais difícil seria tirar meus pais de sua simplicidade. Viveram o tempo todo no mesmo estilo de vida, numa casinha de pau a pique a beira do rio, ao lado da lavoura, comendo o que se planta, olhando da varanda a lua no céu em todas as suas fases, e desta observação sabiam exatamente o que iriam plantar, e quando iriam colher. É uma vida difícil para quem não tem o costume, mas muito gratificante quando se faz dela, o seu santuário.

De longe eu via as copas das árvores que cobriam praticamente toda a vista da casa dos meus pais, que ficava após um corredor de arcabouço, na baixada do terreno, quase próximo ao rio. Acordei Diego para se manter de olhos abertos para conhecer os avós. Arrumei sua roupa com gravata borboleta e o beijei.

− Você irá conhecer duas pessoas muito importantes para a mamãe, seu avô e sua avó.
Não sei se ele entendeu o que eu disse, mas sorriu e abraçou meu pescoço.

− Muito bem, rapaz, vamos descer. - disse eu assim que a carruagem parou.
O aroma perfumado daquele lugar continuava o mesmo. Confesso que estava tão feliz, que somente naquele momento, eu me permiti esquecer um pouco o meu amado. Segui segurando meu filho pela mão. Seguimos corredor abaixo, na direção da casa que ainda não dava para ver de onde estávamos. Mais alguns minutos, estaremos lá... O coração ainda batia muito forte. Foi só quando senti um cheiro de coisa queimada, que passei a sair de um estado e entrar radicalmente em outro. A minha frente, a casa totalmente destruída por um incêndio. Meus passos pararam. Meu peito doía tanto que mal conseguia respirar. Peguei meu filho no colo, que notou meu desespero, e enxugou minhas lágrimas com as pequenas mãos.

− Não! - gritei, ouvindo o eco de meu grito. − Não pode ser! - eu falava sozinha, tocando em meu rosto. Não precisava descer até lá para saber que tudo foi destruído pelo incêndio. A porta e janelas estavam abertas, torradas como carvão, revelando o mesmo cenário dentro da casa.

Fiquei de joelhos na areia, com meu pequeno no colo, chorando copiosamente. Cheguei tarde demais. Sem saber o que fazer, corri para a carruagem e pedi para o criado me levar ao castelo de Siv, o local mais próximo dali, para pedir ajuda. Mestre Olaf poderá fazer algo por mim, preciso descobrir o que houve, e se meus pais ainda se encontram vivos. Espero que sim. Pode ser apenas um atentado ou algo assim. Neste momento meus pensamentos estão confusos. Por mais que eu queira pensar positivo, algo dentro de mim, me derruba e massacra de forma descomunal.

Senhor Aragorne TirelOnde histórias criam vida. Descubra agora