O som de incontáveis festividades ecoavam pelas ruas abarrotadas de pessoas extasiadas por tudo que acontecia ao seu redor. Músicas que seriam esquecidas, bebidas para intoxicar o corpo e eventos de laser para afogar as preocupações. Tudo dentro de uma cidade colorida e ladrilhada criada para a sua felicidade, sem existir algo que você realmente quer em sua vida. Marrulyo, a cidade das festas, lhe garante um tempo prazeroso. Por tal motivo, aventureiros de todos os cantos do continente que precisam de uma mudança de ares, vem até esta cidade. Constantemente em mudança, pois pouco se dura quando pouco se trabalha.
Ainda assim, existe uma propriedade dentro da cidade que destaca-se das demais. Enquanto todos festejam, um casal encontra-se no meio de uma reforma grandiosa. Uma das principais tavernas da cidade, a Espiral de Mil Giros, encontra-se com pedaços de madeiras e pedras sendo levantadas no meio do ar por forças arcanas, enquanto incontáveis mãos mágicas são projetadas para auxiliar naquilo que precisa ser puxado, empurrado ou pregado. O som o trabalho árduo no meio de toda a alegria fútil, assusta a maioria das pessoas que passam por perto.
Leyraq, próximo aos seus quarenta anos de idade, estava reclamando do trabalho que precisava fazer. Talvez não percebesse que estava com um sorriso bobo no rosto por estar fazendo isso com o amor de sua vida. Suas vestes azuladas eram longas e estavam sujas de terra e poeira, fora obrigado a levantar as mangas para trabalhar melhor. Da ponta de seus dedos, um pequeno fio conectava-se em mãos feitas de magia roxa e translúcida de diversos tamanhos e intensidade de brilho. O pequeno Prymonídeo estava com a língua pra fora tentando deixar uma rocha alinhada antes de outra fosse colocada em cima, mas perdeu a concentração quando percebeu que uma criança passou por perto e lhe deu um aceno com as mãos. Sua personalidade obrigou-o a responder a alegre criança. Começou a acenar em retorno, sem perceber que perdeu a concentração em suas conjurações que começaram a acenar. Mais de vinte mãos flutuando deixando ferramentas e pedras caindo pelo chão, fazendo uma confusão.
"Leyraq, atenção!" Uma Graa'Hazziana saía de dentro da grande estrutura de madeira central. Pele negra como a noite e os olhos brancos eram as estrelas que iluminavam a vida de Leyraq. Era corpulenta e tinha uma grande cauda que estava sempre mexendo de um lado para o outro. "Olha isso, não vamos terminar nunca se continuarmos neste ritmo!"
"Temos tempo, Wesser! Temos nossas vidas inteiras para deixarmos tudo pronto!" Enquanto falava isso, comandou de canto de olho uma de suas mãos mágicas girar e voar perto da criança, a qual começou a rir e saiu correndo para contar aos pais o que havia testemunhado com os próprios olhos. "E, pelo visto, não quebrei nada!"
"Isso porque a sorte favorece os estúpidos!" Virou-se para as pedras e começou a levitá-las novamente, sempre de olho para ter a certeza que nada ia quebrar. Ela não percebeu que deixou escapar um sorriso bobo por conta da simplicidade do seu amor. "Vamos lá, você vai ter que conjurar mais dez mãos para nos ajudar! Não pense que vai se livrar fácil!"
E assim continuaram pela tarde inteira, realizando feitos mágicos incríveis para tarefas que muitos sequer cogitaram. Após todas as pedras do salão principal serem empilhadas e as mãos arcanas começarem a realizar os detalhes para a sustentação do telhado, Wesser começou a esculpir estátuas, mesas e cadeiras. Os minutos transformaram-se em horas e tudo estava fluindo conforme o esperado. Quando a noite cobriu tudo com seu manto negro, o casal preparava-se para voltar para sua casa temporária.
"Mas seria incrível, pensa comigo! Ensinar as crianças dessas cidades mais do que sobre festas e coisas fúteis!" Leyraq exclamava enquanto desdobrava as mangas e limpava a sujeira de suas botas.
"Não, Leyraq! Você não vai fazer uma escola dentro de uma taverna onde o que mais terá são pessoas bêbadas! Que ambiente seria esse para uma criança aprender?!" Wesser retrucava a ideia, enquanto negativava com a cabeça. "Deveria ter criado uma escola, se era isso que queira!"
"Eu quero muitas coisas!" Ele ria consigo mesmo e isso fez Wesser rir também. Seus olhos estavam banhados de esperanças do futuro que criava junto com sua querida esposa, o problema era não conseguir separar todas as idéias que tinha. Infelizmente, não conseguiu guardar uma preocupação que tinha por muito mais tempo. "Wesser, talvez esteja um pouco paranóico novamente, mas senti que estava sendo observado durante boa parte do dia de hoje. Não gosto de causar alarde, mas foi muito estranho.
"Eu te entendo, senti da mesma maneira algumas vezes ao longo do dia. Não consegui encontrar de onde vinha estas intenções furtivas, espero que seja coisa de nossas cabeças. No entanto, não vejo porque não ficarmos em prontidão enquanto não chegamos em casa." Falou Wesser enquanto colocava uma grande e pesada capa em volta de seu corpo. "Estou sentindo que irá chover e você sabe como fica quando tem tempestade. Então, vamos!
"Eu acho bonito, qual o problema disso?!" Leyraq reclamou, mas Wesser já havia saído pela porta da taverna em reforma e deixou-o falando sozinho.
Os ventos de aproximação de chuva eram conhecidos por grande maioria das moradores de Marrulyo, pois precisavam saber onde ir quando a chuva impedisse a festa de continuar. Isso fez com que as ruas ficassem mais vazias que o normal e as gôndolas voadores pudessem transitar onde antes era impossível. Elas eram todas com cores gritantes e chamativas, como quase tudo vindo desta cidade, e serviam muito mais para um passeio calmo do que uma possibilidade de chegar rápido em algum lugar. Fora preciso, então, desviar alguns momentos do novo obstáculo que surgia ocasionalmente em seus caminhos.
"Pessoas, gôndolas ou, às vezes, carruagens! Essa cidade precisa ter um jeito melhor para se mover dentro dela. Vou tentar bolar alguma ideia e enviar ao rei, tenho dito!" Leyraq resmungava.
Ainda assim, chegaram em questão de minutos no seu casebre pequenino feito às pressas pelos dois. Não é nada parecido com a casa dos sonhos que haviam imaginado anos atrás quando se casaram, mas dava pra cuidar e amar quase do mesmo jeito. O casebre era todo feito de pedras conjuradas por Wesser e tinha uma placa ao lado dizendo que as pessoas eram bem vindas, feita por Leyraq.
Ao entrar, cada um cumpriu seus afazeres diários antes de sequer pensar em dormir. Leyraq tomou um banho quente para tirar o cansaço do corpo com uma água esquentada previamente em uma fogueira central. Wesser, no entanto, ficava o tempo todo olhando para fora da janela. Era palpável a sua preocupação com o que poderia acontecer, afinal de contas ela sempre estava em alerta para tudo.
Leyraq fez o jantar e ambos comeram juntos, mas Wesser estava distante. Não completava frases ou tinha o enfoque para fora da casa, apesar de diversas tentativas de piadas ruins que ele jogava para ela. Depois de um tempo, começou a preparar-se para deitar na sua simples cama de palha.
"Vou ficar um pouco acordada, meu bem. As estrelas estão bonitas hoje, quero apreciá-las um pouco mais antes de ir para o mundo dos sonhos contigo." Ela sorriu, mas em seus olhos era possível ver a preocupação crescendo.
"Não vá exagerar, Wesser. Divida o peso comigo se necessário, é por isso que estou aqui!" Leyraq foi até ela e usou uma de suas mãos arcanas de apoio para subir até os lábios de Wesser e lhe dar um beijo amoroso. "Estarei a um quarto de distância, combinado?"
Wesser sorriu, mas nada respondeu.
Ficou ali durante horas olhando pela janela enquanto ouvia o som das músicas que tocavam ao longe. Em meio a tudo que estava ocorrendo, o som de um trovão ecoou pela cidade. Pessoas riam e corriam para alguma proteção das gotas que começavam a cair lentamente. Junto a isso, era possível ver algo que já estava esperando que fosse acontecer.
De becos e ruelas de chão batido, pessoas encapuzadas. Em suas armaduras tinha o símbolo de um tridente com um olho vermelho. Preparados, estavam com armas brancas em punho e escudos também. Todos tinham sorrisos malignos, prontos para fazer o pior com adagas, espadas ou chicotes. Um raio caiu ao longe, seguido por mais outro estrondo no céu escuro.
Nesta hora, Wesser saltou da poltrona que estava e fez menção de correr na direção de Leyraq. Ao virar para dar o primeiro impulso, viu que ele já estava de pé e vindo em sua direção.
"Eles chegaram!" A Graa'Hazziana exclamou enquanto condensava energia arcana em suas mãos.
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O Conjurador de Mãos
FantasyLeyraq Razooc é um pequeno Prymonídeo versado nos ensinamentos místicos do mundo e casado com uma Graa'hazziana chamada Graa'Wesser, capaz de feitos incríveis devido sua união com as energias naturais do plano material. No entanto, ao longo do tempo...