continuação

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Dali a pouco, porém, tornava o Quim, com nova desolação: os bate-paus
não vinham... Não queriam ficar mais com Nhô Augusto... O Major Consilva
tinha ajustado, um e mais um, os quatro, para seus capangas, pagando bem.
Não vinham, mesmo. O mais merecido, o cabeça, até mandara dizer, faltando
ao respeito: — Fala com Nhô Augusto que sol de cima é dinheiro!... P’ra ele
pagar o que está nos devendo... E é mandar por portador calado, que nós não
podemos escutar prosa de outro, que seu Major disse que não quer.

— Cachorrada!... Só de pique... Onde é que eles estão?

— Indo de mudados, p’ra a chácara do Major...

— Major de borra! Só de pique, porque era inimigo do meu pai!... Vou lá!

— Mal em mim não veja, meu patrão Nhô Augusto, mas todos no lugar
estão falando que o senhor não possui mais nada, que perdeu suas fazendas
e riquezas, e que vai ficar pobre, no já-já... E estão conversando, o Major mais
outros grandes, querendo pegar o senhor à traição. Estão espalhando... — o
senhor dê o perdão p’r’a minha boca que eu só falo o que é perciso — estão
dizendo que o senhor nunca respeitou filha dos outros nem mulher casada,
e mais que é que nem cobra má, que quem vê tem de matar por obrigação...
Estou lhe contando p’ra modo de o senhor não querer facilitar. Carece de
achar outros companheiros bons, p’ra o senhor não ir sozinho... Eu, não,
porque sou medroso. Eu cá pouco presto... Mas, se o senhor mandar,
também vou junto.

Mas Nhô Augusto se mordia, já no meio da sua missa, vermelho e feroz.
Montou e galopou, teso para trás, rei na sela, enquanto o Quim Recadeiro ia
lá dentro, caçar um gole d’água para beber. Assim.

Assim, quase qualquer um capiau outro, sem ser Augusto Estêves,
naqueles dois contratempos teria percebido a chegada do azar, da unhaca, e
passaria umas rodadas sem jogar, fazendo umas férias na vida: viagem,
mudança, ou qualquer coisa ensossa, para esperar o cumprimento do ditado:
“Cada um tem seus seis meses...”

Mas Nhô Augusto era couro ainda por curtir, e para quem não sai, em
tempo, de cima da linha, até apito de trem é mau agouro. Demais, quando
um tem que pagar o gasto, desembesta até ao fim. E, desse jeito, achou que
não era hora para ponderados pensamentos.

Nele, mal-e-mal, por debaixo da raiva, uma ideia resolveu por si: que antes
de ir à Mombuca, para matar o Ovídio e a Dionóra, precisava de cair com o Major Consilva e os capangas. Se não, se deixasse rasto por acertar, perdia a
força. E foi.

Cresceu poeira, de peneira. A estrada ficou reta, cheia de gente com
cautela. Chegou à chácara do Major.

Mas nem descavalgou, sem tempo. Do tope da escada, o dono da casa foi
falando alto, risonho de ruim:

— Tempo do bem-bom se acabou, cachorro de Estêves!...

O cavalo de Nhô Augusto obedeceu para diante; as ferraduras tiniram e
deram fogo no lajedo; e o cavaleiro, em pé nos estribos, trouxe a taca no ar,
querendo a figura do velho. Mas o Major piscou, apenas, e encolheu a
cabeça, porque mais não era preciso, e os capangas pulavam de cada beirada,
e eram só pernas e braços.

— Frecha, povo! Desmancha!

Já os porretes caíam em cima do cavaleiro, que nem pinotes de
matrinchãs na rede. Pauladas na cabeça, nos ombros, nas coxas. Nhô
Augusto desdeu o corpo e caiu. Ainda se ajoelhou em terra, querendo
firmar-se nas mãos, mas isso só lhe serviu para poder ver as caras horríveis
dos seus próprios bate-paus, e, no meio deles, o capiauzinho mongo que
amava a mulher-à-toa Sariema.

E Nhô Augusto fechou os olhos, de gastura, porque ele sabia que capiau
de testa peluda, com o cabelo quase nos olhos, é uma raça de homem capaz
de guardar o passado em casa, em lugar fresco perto do pote, e ir buscar da
rua outras raivas pequenas, tudo para ajuntar à massa-mãe do ódio grande,
até chegar o dia de tirar vingança.

Sagarana- A hora e a vez de Augusto MatragaOnde histórias criam vida. Descubra agora