O velhote chorava e tremia, e se desacertou, frente às pessoas. Afinal,conseguiu ajoelhar-se aos pés de seu Joãozinho Bem-Bem.
— Ai, meu senhor que manda em todos... Ai, seu Joãozinho Bem-Bem,tem pena!... Tem pena do meu povinho miúdo... Não corta o coração de umpobre pai...
— Levanta, velho...
— O senhor é poderoso, é dono do choro dos outros... Mas a VirgemSantíssima lhe dará o pago por não pisar em formiguinha do chão... Tempiedade de nós todos, seu Joãozinho Bem-Bem!...
— Levanta, velho! Quem é que teve piedade do Juruminho, baleado pordetrás?
— Ai, seu Joãozinho Bem-Bem, então lhe peço, pelo amor da senhora suamãe, que o teve e lhe deu de mamar, eu lhe peço que dê ordem de mataremsó este velho, que não presta para mais nada... Mas que não mande judiarcom os pobrezinhos dos meus filhos e minhas filhas, que estão lá em casasofrendo, adoecendo de medo, e que não têm culpa nenhuma do que fez oirmão... Pelo sangue de Jesus Cristo e pelas lágrimas da Virgem Maria!...
E o velho tapou a cara com as mãos, sempre ajoelhado, curvado,soluçando e arquejando.
Seu Joãozinho Bem-Bem pigarreou, e falou:
— Lhe atender não posso, e com o senhor não quero nada, velho. É aregra... Senão, até quem é mais que havia de querer obedecer a um homemque não vinga gente sua, morta de traição?... É a regra. Posso até livrar desebaça, às vezes, mas não posso perdoar isto não... Um dos dois rapazinhosseus filhos tem de morrer, de tiro ou à faca, e o senhor pode é escolher qualdeles é que deve de pagar pelo crime do irmão. E as moças... Para mim nãoquero nenhuma, que mulher não me enfraquece: as mocinhas são para osmeus homens...
— Perdão, para nós todos, seu Joãozinho Bem-Bem... Pelo corpo de Cristona Sexta-feira da Paixão!— Cala a boca, velho. Vamos logo cumprir a nossa obrigação...
Mas, aí, o velho, sem se levantar, inteiriçou-se, distendeu o busto paracima, como uma caninana enfuriada, e pareceu que ia chegar com a cara atéem frente à de seu Joãozinho Bem-Bem. Hirto, cordoveias retesas,mastigando os dentes e cuspindo baba, urrou:
— Pois então, satanás, eu chamo a força de Deus p'ra ajudar a minhafraqueza no ferro da tua força maldita!...
Houve um silêncio. E, aí:
— Não faz isso, meu amigo seu Joãozinho Bem-Bem, que o desgraçadodo velho está pedindo em nome de Nosso Senhor e da Virgem Maria! E o quevocês estão querendo fazer em casa dele é coisa que nem Deus não manda enem o diabo não faz!
Nhô Augusto tinha falado; e a sua mão esquerda acariciava a lâmina dalapiana, enquanto a direita pousava, despreocupada, no pescoço da carabina.Dera tom calmo às palavras, mas puxava forte respiração soprosa, que quaseo levantava do selim e o punha no assento outra vez. Os olhos cresciam,todo ele crescia, como um touro que acha os vaqueiros excessivamenteabundantes e cisma de ficar sozinho no meio do curral.
— Você está caçoando com a gente, mano velho?
— Estou não. Estou pedindo como amigo, mas a conversa é no sério,meu amigo, meu parente, seu Joãozinho Bem-Bem.
— Pois pedido nenhum desse atrevimento eu até hoje nunca que ouvinem atendi!...O velho engatinhou, ligeiro, para se encostar na parede. No calor da sala,uma mosca esvoaçou.
— Pois então... — e Nhô Augusto riu, como quem vai contar uma grandeanedota — ...Pois então, meu amigo seu Joãozinho Bem-Bem, é fácil... Mastem que passar primeiro por riba de eu defunto...
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Sagarana- A hora e a vez de Augusto Matraga
Short StoryHistoria autoral de João Guimarães Rosa Sobre a obra: A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simples teste...