Leite Derramado

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06 de Agosto de 2019•

Melanie Adams

Eu nunca pensei,que criar dois filhos seria tão difícil. Achei que a morte de Maximilian me traria forças...enganada óbvio. Agora eles estão desaparecidos por aí,em algum lugar talvez feridos,e, possivelmente mortos. Que tipo de mãe eu sou? Durante esse tempo que eles sumiram,eu tive tempo pra pensar em todos os sinais que eu ignorei e na forma como eu venho lhes tratado.
É só que...cada gesto,cada sorriso,cada pedacinho deles — até o tom de voz alterado quando se sentem magoados — tudo me lembrava Max,e me machucou tanto,que fez chegar ao ponto de ver Hipólito gritando por ajuda e eu sair dando de ombros. Achava que estava tudo bem. Afinal eles são adolescentes...esses.. hormônios ou sei lá o que,os deixavam sensíveis. E por que não ter fotos das suas paqueras no seu quarto,como Ângelo... É,enxergar as coisas dessa forma que levou a tudo isso. Eu poderia ter impedido,ou menos ter retardado tudo isso..mas não fiz. Estava mais ocupada mascarando as marcas da minha insônia com maquiagem. Que aliás só piorou pra variar.

Depois dos desaparecimentos, geralmente vários repórteres me esperavam na porta,para conseguirem uma entrevista caso eu saísse. Tiravam fotos minhas em locais públicos..era desconfortável,mas eu não tinha forças o suficiente pra lutar contra isso..e como sempre,Melanie empurra às coisas com a barriga.
Eu nem saía de casa por conta disso,mas hoje era dia de compras. Kim viria pra me ajudar com as sacolas. E sim,por incrível que pareça eu apenas fico sabendo que meu filho namora,depois de ele sumir. Voltando ao garoto,ele me esperava na porta cabisbaixo,estava muito deprimido por tudo que vinha acontecendo. Quando conversamos alguns dias atrás,eu pude olhar bem fundo nos olhos dele e enxergar tudo,era muita coisa,mas era compreensivo pelos acontecimentos recentes.

- Bom Dia senhora Adams.. - Ele disse baixo e arrastado. Parecia um pouco rouco e seus olhos estavam vermelhos e inchados.

- Oi Kim... - Olhei para os lados,no objetivo de verificar se tinham repórteres por perto. - Eles já foram?

- A imprensa tá meio que...decretando a morte deles. Então não tem muito mais o que investigar.. - Eu já sabia disso,mas foi chocante de qualquer jeito. Uma grande onda de assassinatos recorrentes e dois adolescentes desaparecidos,parece bastante coerente.

- Falamos disso depois,temos que ir ao mercado o mais rápido possível para que não fique tarde para o almoço - Ele assentiu de leve, enquanto eu trancava a porta.
E então nós dois fomos caminhando até lá,sem chamar muita atenção e andando sempre no meio da multidão.

Quando voltamos,o convidei para comer comigo,seria bom uma companhia,e gentilmente ele aceitou. Conversamos e rimos,choramos um pouco também..ele era um bom menino,mas não acredito que Hipólito gostasse dele como ele do meu filho. Também não acho que eu seja a melhor pessoa para julgar isso.

- Ele odiava quando eu beijava ele no pescoço,dizia que fazia cosquinha...mas não era bem isso - Rimos juntos,e ele parou repentinamente o que me assustou um pouco. - Queria que estivesse aqui..

- Todos queríamos querido,mas não há mais nada ao nosso alcance senão esperar.. - Era doloroso dizer,mas era a verdade nua e crua. Vi algumas lágrimas escorrem por sua bochecha e ele sorrir minimamente.

- É,a senhora tem razão... - Me olhou perdido e se levantou rapidamente de onde estava,me abraçando. Um abraço quente e apertado.

- Vai ficar tudo bem,querido. Eles vão aparecer,tenho certeza. - Ele continuava chorando,mas dessa vez menos desesperadamente do que nas anteriores.

•••

Kim já tinha ido embora á um tempo,e eu estava na banheira tentando relaxar. Tinha tomado mais de 5 xícaras de chá de Camomila,e mesmo assim não funcionou para que eu me acalmasse. Todas as noites vem sendo assim,ficava inquieta e pensativa.
No começo eu chorava o tempo todo,mas agora eu não me permito mais chorar...ou só acabou o meu estoque de lágrimas mesmo..
Felizmente consegui pegar no sono,e nesse breve cochilo eu estava tendo um sonho estranho. Envolvia Hipólito e eu dentro de uma sala minúscula com muros enormes,que mais me pareciam infinitos da cor cinza,e uma flor brotando do chão delicadamente. Tinha o nome do Ângelo escrito nela..vai entender. Estava tudo bem até aí,até que então,no canto da salinha estava outra pessoa,desconhecida aos meus olhos,talvez por conta das sombras que cobriam seu rosto no momento. Quando virei para Hipólito,ele estava todo sujo,chorando manhoso,com cortes e queimaduras por todo o corpo. Por fim,de baixo da bela flor,um líquido denso e vermelho começou a subir e preencher a sala.
Apenas acordei quando me afoguei no que me parecia ser sangue no sonho,mas na realidade era a água da banheira. Estava ofegante. Ri de mim mesma,porém o susto do pesadelo não havia passado por completo. Era estranho eu lembrar detalhe por detalhe...

Saí da banheira me secando e indo para o meu quarto. Na minha cama tinha uma jaqueta de cada um deles,as quais eu me agarrava fortemente antes de conseguir realmente dormir.
Já deitada,me peguei pensando sobre como as coisas podiam ter sido diferentes se eu tivesse sido uma mãe melhor...ou...se ao menos Max estivesse aqui conosco...comigo.
Mas continuar remoendo as coisas dessa maneira não vai ajudar,eu tenho que ser forte e não desistir...por mais que lá no fundo eu queira.
Tenho que resistir...o leite já foi derramado.

SpRing LOveOnde histórias criam vida. Descubra agora